Amazonenses contam como é enfrentar pandemia no exterior; EUA enfrenta crise

Uma das amazonenses em quarentena nos países afetados pelo COVID-19 - foto: arquivo pessoal

13 de abril de 2020

18:04

Michelle Portela – Da Revista Cenarium

BRASÍLIA – Há quase dois meses da primeira confirmação da presença do novo coronavírus no Brasil, a Covid-19 já matou mais de 700 pessoas no país e há milhares de infectados. O vírus fechou fronteiras, suspendeu eventos, fez o mundo entrar em quarentena, lota hospitais e mudou a rotina de todos que fogem da infecção. Apesar do drama que bate à porta, a realidade é ainda mais preocupante para muitos amazonenses que, em terras estrangeiras, convivem com a pandemia  há mais tempo.

A Revista Cenarium conversou com cinco amazonenses que estão confinados nos países onde o vírus já causa centenas de mortes por dia, para onde eles foram em busca de realizações pessoais. Em seus relatos, a expectativa por dias sem crises políticas e sanitárias, rotinas de quarentena e o olhar de quem acompanha, de longe, a chegada da pandemia à sua terra natal.

Um dos que vive o dilema é Rino Soares, professor de língua portuguesa e cultura brasileira na Nottingham University, na região homônima, na Inglaterra. Ele esperava receber a visita da mão para as férias de verão em junho, mas os planos foram totalmente alterados. A cidade de Nottingham segue as regras de “lockdown” – trancar o país –  implementadas na Inglaterra.

Rino Soares alterna a rotina de isolamento
entre a sua residência e a sala de trabalho na
Nottingham University, (Foto: Acervo pessoal)

“A universidade está vazia, porque as aulas presenciais foram suspensas e adotamos o trabalho on line. Moro num apartamento no campus, saiu uma vez a cada três dias para ir ao mercado e percebo todo o restante do comércio fechado. Não vejo pânico entre os ingleses, estão calmos e seguindo vida. Não dá pra esquecer que se trata de um país que já passou por duas guerras mundiais”.

Ao olhar para o Brasil, o professor é contundente na sua observação. “Com o lockdown, apenas supermercados, farmácias e postos de combustíveis podem estar abertos. E a grande diferença entre a Inglaterra e o Brasil é que não há absolutamente nenhum setor da sociedade protestando a favor de voltar a trabalhar, embora haja preocupação com trabalhadores autônomos e profissionais liberais, mas não que determinada parcela da população seja contra o isolamento”, diz.

Desde a Itália, um dos países mais atingidos pela pandemia, a jornalista Astrid Lima faz coro à crítica de Rino. “É totalmente necessário o isolamento radical das pessoas, mantendo apenas os setores essenciais em funcionamento. Além disso,  é fundamental garantir a logística e reorganização das estruturas hospitalares, e tomar medidas econômicas imediatas que permitam ao povo permanecer  em casa sem passar fome. É preciso abrir o cofre sem hesitação”, ressalta.

Astrid Lima faz um apelo aos amazonenses: “Fiquem em casa”.

Para Astrid, evitar tomar tais medidas elevaria a taxa de mortalidade e comprometeria a credibilidade do governo perante o povo. “Não há como esquivar-se desse trinômio que deve ser atuado contemporaneamente. Evitá-lo não é apenas irresponsável, mas criminoso. Em tudo isso, os governos devem arquivar polêmicas políticas e disputas internas e agir com clareza, unidade, transparência”.     

Veletri, cidade há 40km de Roma, onde mora a jornalista, está em isolamento desde março, e pessoas que saem às ruas sem justificativa podem ser multadas. Há 24 casos positivos, com 11 internados, e uma onda de mortes que assola a Itália. “A realidade foi algo realmente assustadora, violenta, para a qual não estávamos preparados. Inicialmente, a situação é surreal, mas quando se multiplicam os mortos, tudo se torna assustador. Apesar de estamos traumatizados e cansados, vivemos um momento de unidade nacional de forma impressionante”, explica.

Em auto isolamento desde fevereiro, Astrid não se calou diante da iminência da pandemia no Brasil. “Comecei a falar com o máximo de pessoas no Brasil, porque era uma obrigação moral, e não me interessava a cor da bandeira política da pessoa, isso é uma questão secundária agora. O mais importante era explicar que o que vivíamos na Itália era o futuro deles dali a poucas semanas. E eu estou contente porque boa parte dos familiares e amigos começaram a sensibilizar. Não é só uma gripezinha”.

Ela faz um apelo aos amazonenses. “Todos estamos passando por um treinamento forçado para aprendermos a superar a pandemia. É preciso ter disciplina, não entrar em pânico, com instituições que tragam essa ideia de equilíbrio, porque é muito fácil perder essa referência numa situação de emergência”.

Nos Estados Unidos, a também jornalista Josely Fahrendorff, moradora do Estado do Arkansas, ressalta que não há mortes causadas pela pandemia na cidade, mas que o isolamento social também é a principal ação para evitar um possível quadro grave da doença na cidade. Ela trabalha na rede Walmart, que ofereceu home office aos funcionários, e também com entrega de alimentação.

Josely Fahrendorff ainda trabalhar em condições seguras com entrega de alimentos, mas passa a maior parte do tempo em casa, onde alterna seu tempo entre serviços domésticos, conversa com amigos e familiares on line e consumo de notícias. (Foto: Acervo pessoal)

“Restaurantes e lanchonetes basicamente funcionam com drive-thru e os clientes estão pedindo para deixar a comida no chão, na porta. Então é relativamente seguro! Mas tenho ficado muito com medo quando chego em casa. Tipo, se eu sinto a minha respiração ofegante eu já me apavoro e digo que nunca mais vou sair, mas não me obedeço”, relata.

A rotina da cidade mudou completamente. “Os supermercados não abrem mais 24 horas. Ele abrem as 7 da manhã e fecham às 8 da noite, com exceção das terças, quando abrem às 6 para os idosos. Como funcionária do Walmart, eles nos deram a opção de ficar em casa por duas semanas (sem receber por esses dias) caso a gente ficasse com receio de se expor. Afinal os supermercados continuavam sempre cheios. Como meu marido é muito rígido nos cuidados, optei por pedir as duas semanas”.

A jornalista relata que a evolução da pandemia na cidade obriga à construção de novos hábitos. “Antes eu não estava muito preocupada, especialmente porque o estado em que moro não é nem turístico e os casos não são tantos. Mas os números têm aumentado e isso me deixou mais consciente. Mas o pior de tudo mesmo é estar aqui é meus filhos estarem longe”.

O filho mais velho de Josely mora na Alemanha e está em quarentena desde o início de março, enquanto o filho residente em Manaus alerta sobre a baixa adesão à quarentena. “O que eu tenho ouvido sobre a situação de lá me deixa muito preocupada.

Ele é músico, mas não tem saído desde que os bares e restaurantes fecharam”, explica. E ainda há a filha que mora em Sorocaba. “Ela e os filhos ficam seguros em casa e não tem saído, mas o marido dela trabalha com vendas de materiais hospitalares e não pode parar”.

Ela também faz um apelo aos conterrâneos. “Imagine não conseguir respirar. Deve ser muito angustiante. Espero que caia a ficha de que esse vírus mata numa velocidade incrível”, finaliza.

Destaque

Maurília Gomes, relações públicas, doutoranda em Ciências da Comunicação

O governo de Portugal decretou o estado de emergência em 18 de março (e renovado por mais 15 dias em 1º de abril), mas eu já estava em isolamento voluntário desde o dia 11 do mês passado. Aqui, a maioria da população tem seguido as recomendações de se manter em casa o maior período de tempo possível e os comércios que ainda permanecem abertos também têm organizado o atendimento de forma a seguir o distanciamento dos clientes.

O governo não proibiu a circulação nas ruas, mas a polícia para tem feito o trabalho de monitoramento e até de repressão em alguns casos de aglomeração de pessoas para além do permitido (o decreto atual prevê a limitações de circulação na via pública, sendo permitidas apenas as deslocações para fins profissionais, para assistência a terceiros, para obtenção de cuidados de saúde).

Eu moro em Covilhã, cidade do conselho de Castelo Branco, na região Centro, que possui cerca de 40 mil habitantes, grande parte deles são idosos e integram o grupo de risco da Covid-19. Por conta da Universidade da Beira Interior (onde curso o Doutoramento em Ciências da Comunicação) também possui um número grande de jovens, a maioria com idades entre 18 e 25 anos. O encerramento das aulas presenciais na UBI fez com que muitos dos alunos voltassem para suas cidades de origem para ficar com as famílias, restando aqui apenas os moradores locais e os estudantes estrangeiros, o meu caso.

Quase todo mundo divide morada por aqui, pois alugar um quarto é bem mais em conta que um apartamento inteiro (o que também tem poucos). Eu moro com dois portugueses que foram embora antes de sair o primeiro decreto. Assim, diferente da maioria por aqui, estou enfrentando essa quarentena sozinha em casa e fazendo saídas pontuais para compras de necessidade. Após a primeira semana consegui estabelecer uma rotina para além de ver notícias da pandemia, filmes e séries tv. Retomei os estudos para a tese, tenho praticado pilates e yoga e cozinho. Cozinhar sempre foi algo que me alivia o estresse, então tenho aproveitado para isso também. E como todo mundo por aí, tenho utilizado as redes sociais e apps videoconferência para falar com a família e amigos.”