Baseada em evidências, Justiça mantém suspensão em segunda instância da licença prévia da BR-319

Imagem aérea da BR-319 (FAS)

26 de agosto de 2024

15:08

Lucas Ferrante – Especial para Cenarium**

MANAUS – Nessa sexta-feira, 23, uma decisão de segunda instância confirmou a suspensão da Licença Prévia (LP nº 672/2022) para a reconstrução e asfaltamento do “Trecho do Meio” da rodovia BR-319, que liga Porto Velho (RO), no arco do desmatamento, até Manaus (AM), na Amazônia central ainda intocada. O trecho central da BR-319 é considerado um hotspot de desmatamento, uma área com concentrações de taxas de desmatamento que superam em três vezes as taxas observadas para toda a Amazônia brasileira, conforme apontado por um estudo do periódico científico Land Use Policy.

No ano passado, um estudo publicado no periódico Conservation Biology, considerado uma referência em biologia da conservação, destacou que, se pavimentada, a rodovia provocaria a migração de anomalias climáticas do arco do desmatamento para a Amazônia Central, impactando o clima da região e os serviços ecossistêmicos que beneficiam áreas além das fronteiras da Amazônia. Além disso, a Amazônia atingiria o “tipping point”, ponto de não retorno do desmatamento tolerado. Ou seja, sua pavimentação causaria o colapso das regulações climáticas e dos ciclos hidrológicos importantes para toda a América do Sul, o que impactaria a biodiversidade, o agronegócio e o abastecimento humano de todo o Brasil.

O presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) rejeitou o recurso apresentado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit/Ministério dos Transportes) e pela União, que tentava reverter a decisão liminar de julho que havia suspendido a licença. A Licença Prévia para as obras na BR-319 foi emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no último ano do Governo Bolsonaro, em uma decisão que ignorou especialistas, trabalhos técnicos e a consulta das comunidades tradicionais, como apontou um artigo científico publicado no periódico Journal of Racial and Ethnic Health Disparities, editado pelo renomado grupo Springer Nature.

A suspensão da licença foi determinada pela 7ª Vara Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas, atendendo a uma ação civil pública movida pelo Observatório do Clima. Diversos políticos locais, como o senador Plínio Valério, têm alegado falsamente que esta seria uma ação financiada por instituições internacionais, como a Fundação Moore. Entretanto, o Observatório do Clima não recebe fundos da Fundação Moore, descartando as alegações do senador.

Na ação, o Observatório do Clima argumentou que a concessão da Licença Prévia desconsiderou análises técnicas e pareceres do próprio Ibama durante o processo de licenciamento ambiental da rodovia. A decisão judicial destacou a necessidade de implementação de governança ambiental e controle do desmatamento antes do início das obras, alertando que, sem essas medidas, os impactos ambientais já previstos na área do projeto não seriam evitados.

O Dnit e a União alegaram que a suspensão da liminar causaria “grave lesão à ordem pública“. Contudo, o desembargador Federal João Batista Moreira, presidente do TRF1, ao negar o pedido, argumentou que o verdadeiro risco à ordem pública está no avanço das obras sem a devida governança ambiental prévia. Tal decisão é amparada por estudos revisados por pares, que demonstram que, se pavimentada, a rodovia aumentaria em mais de 1200% o desmatamento observado na região em 2011, trazendo graves prejuízos para a Amazônia e o País.

(*) Lucas Ferrante possui formação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), Mestrado e Doutorado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), onde em sua tese avaliou as mudanças contemporâneas da Amazônia, dinâmicas epidemiológicas, impactos sobre os povos indígenas e mudanças climáticas e seus efeitos sobre a biodiversidade e pessoas.
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