Centenário de Paulo Freire: vida, obra e inspirações

O patrono da educação no Brasil faria 100 neste domingo, 19 (Reprodução/Acervo Pessoal Nita Freire)

19 de setembro de 2021

15:09

Priscilla Peixoto – Da Cenarium

MANAUS – Nascido em 19 de setembro de 1921, na cidade de Recife, capital do Pernambuco, Paulo Reglus Neves Freire é um dos principais nomes da educação brasileira e do mundo, que completaria 100 anos de vida neste domingo. Falecido em 1997 aos 76 anos, o “patrono da educação no Brasil” deixou um legado para ensino-aprendizagem, incentivando a democracia, diálogo, amor e foco do ensino atrelado à conscientização política.

Para o doutor em Educação e pesquisador em festas populares Adan Silva, Paulo Freire remete o ato de entrega e de transformação, facilitando laços com o aprendizado. “Ele alinhava a leitura que tinha do que era estrutural da sociedade, com as concepções que ele tinha de educação, tanto que ele conseguiu construir um método único de alfabetização. Fez leituras de sociedade, construiu visões da educação como ato de amor e liberdade que o transformou como referência mundial”, declara o pesquisador.

Paulo Freire faleceu em 1997, aos 76 anos (Reprodução/Bel Pedrosa)

“Transformar os alunos em objetos receptores é uma tentativa de controlar o pensamento e a ação, leva homens e mulheres a ajustarem-se ao mundo e inibe o seu poder criativo.”

Paulo Freire

Referência mundial

Criador da “educação crítica” e disseminador da conhecida pedagogia da libertação, o estudioso se tornou grande influência no mundo. Freire é uma das figuras brasileiras mais homenageadas da história, acumulando nada menos que 35 títulos de Doutor Honoris Causa de universidades da Europa e América. Em 1986, ganhou o prêmio de Educação para a Paz, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências e Cultura (Unesco).

Paulo Freire também está entre os 100 nomes mais citados em estudos voltados à pedagogia e à educação. Homenageado em diversos países, o intelectual brasileiro ganhou reconhecimento em centros de estudos em vários lugares do mundo, como Holanda, Portugal, Alemanha, África do Sul, Inglaterra, Canadá, além do Centro Paulo Freire na Finlândia.

“Os estudos dele saíram do Brasil e foram alçados a estudos em todo mundo, inclusive em Harvard. Seu livro, Pedagogia do Oprimido, é aterceira obra mais citada em trabalhos acadêmicos da área de humanas. Para quem trabalha com educação é muito mais que teoria. Enfim, é uma referência de como pensar em educação e acima de tudo, como transformar a educação por meio de uma leitura de práxis que é transformar e articular a teoria e prática onde uma retroalimenta a outra”, comenta o educador Adan Silva.

O método de ensino freireano alfabetizou 300 adultos, em 1963 (Reprodução/Internet)

Trajetória e Métodos

Filho de família classe média, Paulo não ficou livre de presenciar a dificuldade e a fome dos conterrâneos mais próximos, um dos fatores que podem ter despertado a vontade e o desejo de transformar a sociedade por meio da educação para que a mesma fosse menos desigual, injusta e discriminatória.

Professor de língua portuguesa, em 1963, implantou em uma cidade interiorana do Rio Grande Norte, chamada Angicos, um método inovador de alfabetização. A tática foi um sucesso e Freire conseguiu alfabetizar 300 adultos em cerca de 45 dias. O modo de ensino utilizou o conhecimento prévio dos alunos e por conta do resultado o Governo Brasileiro, que na época passava por reformas de base, adicionou o método no Plano Nacional de Alfabetização (PNA).

Porém, no ano seguinte, 1964, a ditadura militar suspendeu o “modo freireano” do PNA, alegando um possível risco de revolta, justamente por Freire acreditar na educação como ferramenta de reivindicar direitos e auxiliara transformação social. O estudioso chegou a ser preso por 72 dias, acusado de traição, foi exilado do País e passou a morar no Chile, que resultaram em 16 anos longe do Brasil.

Paulo Freire recebendo de Luiza Erundina o título de Cidadão Paulistano, em 19 de agosto de 1986 (Lia Costa Carvalho/Folhapress)

Durante o exílio, Paulo escreveu a obra mais conhecida da trajetória, o “Pedagogia do Oprimido”. O livro basicamente aponta que a educação seja uma prática que liberta, na qual o próprio aluno pode quebrar as barreiras da cultura do silêncio e ser protagonista da própria história.

Nesta obra, é possível encontrar praticamente toda a base da teoria da aplicabilidade desenvolvida por Paulo Freire, na qual ele combate o que intitulava de “educação bancária”, onde o professor era visto como o detentor único de todo conhecimento e aluno, por sua vez, uma espécie de “depositório”.

O pedagogo defendia odiálogo entre professor e aluno, fazendo do aluno um “aprendiz ativo”, abrindo espaço para debates, críticas construtivas, reflexões e possíveis soluções para os assuntos em pauta. De acordo com Freire, “Transformar os alunos em objetos receptores é uma tentativa de controlar o pensamento e a ação, leva homens e mulheres a ajustarem-se ao mundo e inibe o seu poder criativo”, defendia o professor.

Críticas

Os críticos do “modo” Paulo Freire de ensino alegam que o professor é o pilar superior dentro da sala de aula e que poderia influenciar os alunos a concordar ou não com uma visão de mundo pessoal. Isso poderia confundir os estudantes na hora de discernir entre o que é opinião e o que é fato, que segundo eles, constrangeria alunos que expressassem um posicionamento contrário.

Deputado federal Eduardo Bolsonaro (Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)

Filho do presidente Jair Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (Republicanos-SP) criticou Freire, na quinta-feira, 16. “Educação do País é de péssima qualidade e não se pode nem criticar o patrono desta bagunça? Isso não é justiça, é militância doentia”, alfinetou Eduardo, em relação à decisão da Justiça Federal do Rio de Janeiro (JF-RJ) que determinou a proibição de “praticar qualquer ato institucional atentatório à dignidade do professor Paulo Freire”.

Entre outras críticas há também a responsabilidade atrelada a Paulo Freire, de que ele teria colocado em xeque a autoridade do professor ao tentar posicioná-lo de “igual para igual com os alunos”. O educador Adan Silva comenta que pessoas fazem uma análise errônea do método e que o intuito é que justamente o professor não seja uma figura única e central.

“Na verdade, Paulo é odiado por conservadores que não entendem a educação como um ato de revolução e mudança. Principalmente para as classes mais pobres, pois ele leva à reflexão sobre desigualdade e minorias, além da educação como uma questão ética. E, por isso, é tão amado por setores progressistas que conseguiram captar essa mensagem e querem transformar a sociedade, para que de fato ela seja mais justa, igualitária e equânime”, finaliza Adan.