Cientistas criticam ações da Funai e do Exército em terras indígenas em plena pandemia

Para ações em terras indígenas, é preciso respeitar uma série de protocolos de saúde para evitar que os indígenas sejam contaminados com a Covid-19 (Reprodução/ Internet)

19 de dezembro de 2020

12:12

Gabriel Abreu

MANAUS – O cientista Lucas Ferrante e o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Philip Fearnside publicaram, esta semana, um artigo na Revista ERDE da Associação Geográfica de Berlim, na Alemanha, que é uma das revistas científicas mais sérias e antigas do mundo. No artigo, os dois cientistas criticam as abordagens de militares em terras indígenas e como a Covid-19 tem mostrado o descaso do governo federal com os povos da floresta.

O tema do artigo é “Forças militares e Covid-19 como cortinas de fumaça para a destruição da Amazônia e violação dos direitos indígenas”.  

À REVISTA CENARIUM, o cientista Lucas Ferrante criticou a forma como a Fundação Nacional do Índio (Funai) tem se comportado em ajudar os indígenas na pandemia de Covid-19. Para ele, a Funai tem como obrigação não atender os interesses de um governo especifico a favor de uma ideologia, mas sim, tem como finalidade proteger os povos indígenas e garantir os seus direitos.

“Estamos vendo várias violações dos direitos dos povos indígenas na Amazônia, aumento de invasões de terras, ausência de direitos respeitados como é o caso da BR-319 que não realizou as consultas como estabelece a convenção 169 da OIT e a distribuição de cloroquina a indígenas que, além da ausência de eficácia contra a Covid-19, tem vários efeitos colaterais. A Funai precisa começar a cumprir o seu papel, do contrário é uma improbidade”, afirmou Ferrante.

Cientista Lucas Ferrante concedeu entrevista exclusiva à REVISTA CENARIUM (Reprodução/ Internet

Em outro ponto, o cientista chama a atenção sobre a disseminação da Covid-19 nas terras indígenas por invasores e os impactos que a doença está causando em povos, sendo que a maioria possui idosos como grandes mestres da cultura indígena.

“A disseminação do novo coronavírus em comunidades indígenas por invasores é uma ameaça especialmente séria porque os povos indígenas são um grupo de risco da Covid-19. A maior mortalidade de pessoas idosas coloca culturas inteiras em risco porque as tradições tribais são transmitidas dos mais velhos para as gerações mais jovens. Os impactos da Covid-19 e o recente aumento de invasões são somados a uma série de medidas do governo federal enfraquecendo a proteção dos povos indígenas”, destacou Ferrante.

Influência militar

No artigo, Ferrante cita a influência militar que permeia o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e a participação militar na repressão ao desmatamento ou incêndios que não obtiveram ações concretas para resolver essas questões ambientais.  

“A proposição do governo federal segundo o cientista é sucatear e fragilizar a atuação dos órgãos ambientais como a Funai ou Ibama e ICMBio. Diversos agentes relataram ações de militares em atrapalhar as ações de fiscalização do IBAMA de forma proposital, isso é uma vergonha para a atual gestão presidencial, para o próprio exército por se prestando a esse papel e uma má utilização de verbas públicas contra o próprio país”.

Avaliação

Lucas Ferrante afirmou que a Funai está sendo omissa. Ele fala que o presidente Jairo Bolsonaro criou um novo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e nomeou Damares Alves para chefiar o novo ministério. Ela é co-fundadora de uma organização que foi denunciada em 2009 à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados por líderes indígenas das nações Yawalapiti no Mato Grosso e Kayapó no Pará por promover a adoção ilegal de crianças indígenas.

Damares Alves afirmou que mais de 1.500 crianças são enterradas vivas pelos povos indígenas da Amazônia todo ano. No entanto, isso foi negado pela Associação Brasileira de Antropologia em uma carta aberta afirmando que estas são afirmações infundadas e sem qualquer base científica.

“A primeira nomeação para a Funai no governo Bolsonaro foi feita por Damares, que nomeou o general Franklimberg Ribeiro de Freitas como o primeiro chefe da Funai do governo Bolsonaro. Anteriormente, ele havia atuado como chefe dessa agência de maio de 2017 a abril de 2018, quando renunciou e foi contratado pela empresa canadense Belo Sun Mining para atuar como consultor em assuntos indígenas, comunitários e ambientais na mina planejada pela empresa na “grande volta” do rio Xingu entre as duas represas que compõem o projeto hidrelétrico de Belo Monte no estado do Pará”, explicou Ferrante.

E finaliza. “Na época o Comitê de Ética Pública da Presidência da República determinou que ele deveria esperar seis meses antes de ser contratado, porque por lei, aqueles em cargos públicos seniores são impedidos de iniciar atividades privadas que resultariam em um conflito de interesses. No entanto, esta orientação não foi seguida. O atual presidente da FUNAI é o delegado Marcelo Augusto Xavier da Silva, este padrão de militarização dos órgãos ambientais e indigenistas consolidam a ação ideológica e não técnica destro dos órgãos”, finalizou o cientista.