Crime ambiental, abuso de autoridade e milícia colocam Nova Olinda do Norte, no AM, na mira da Justiça

07 de agosto de 2020

19:08

Náferson Cruz – Da Revista Cenarium

MANAUS – Em decisão liminar, a Justiça Federal determinou nesta sexta-feira, 7, que a União por intermédio da Polícia Federal (PF), adote medidas cabíveis para proteção dos indígenas e populações tradicionais do município de Nova Olinda do Norte, considerando as fronteiras com Borba e Maués, com envio de efetivo à região.

A decisão foi proferida após ação ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), em razão dos potenciais abusos e ilegalidades relatados pelos comunitários que habitam o local em operação deflagrada pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP) no rio Abacaxis na última segunda-feira, 3.

A liminar também determina que o Estado do Amazonas não impeça a circulação dos povos indígenas e ribeirinhos na região, que faz parte dos Projetos de Assentamento Agroextrativistas (PAEs) Abacaxis I e II, nos municípios amazonenses de Borba e Nova Olinda do Norte. Em caso de descumprimento, foi estabelecida pena de multa diária de R$ 100 mil ao Estado.

Parte da decisão federal sobre o caso (Reprodução/Internet)

Entre os relatos colhidos pelo MPF está a ocorrência de invasão das casas dos comunitários, sem qualquer autorização ou mandado judicial, apreensão de telefones celulares usados para registrar os abusos, uso desproporcional de armas de fogo para intimidar os moradores, inclusive idosos e crianças, e a restrição de circulação no rio Abacaxis, impossibilitando o envio de alimentos e mantimentos e o socorro aos feridos pelas ações da Polícia Militar.

Na decisão, a Justiça Federal destaca a necessidade e a urgência das medidas determinadas, “especialmente em razão das informações constantes nos autos de supostas violações de direitos”, citando, inclusive, notícia trazida pelo MPF de que há a informação de homicídio de indígenas da etnia Munduruku na região, o que demonstra que é necessária a imediata intervenção judicial.

Os autos descrevem os pedidos voltados a proteção dos indígenas da região (Reprodução/Internet)

Conforme o pedido encaminhado à Justiça pelo MPF, durante o primeiro dia da operação, realizada supostamente para coibir o tráfico de drogas na região, os agentes não se identificaram mesmo após horas de atuação e abordagem inicial por lideranças extrativistas.

Documento da Justiça Federal revela detalhes da ação policial

Durante a abordagem de monitoramento pelas lideranças ocorrida no dia 03 de agosto pela manhã, foi informado ao MPF que nenhum dos presentes usava farda ou uniforme policial. Os policiais faziam uso de embarcação particular, a mesma que motivou, nos dias 23 e 24 de julho, conflito grave com os comunitários, por conta do uso do rio Abacaxis para pesca esportiva sem licença ambiental, e culminou em suposto atentado contra um dos tripulantes, o secretário-executivo de Estado Saulo Resende. Tal uso aliado à não identificação inicial, causou pânico em todas as comunidades e aldeias pensando se tratar de ato privado de vingança.

Decisão proferida pela Juíza Federal (Reprodução/Internet)

Os agentes policiais, nas abordagens nos dias que se seguiram, chegaram a informar alguns moradores que estavam no local em busca do possível autor do disparo contra o secretário Resende. Em contato telefônico, o secretário estadual de Segurança Pública assegurou ao MPF que a operação tinha sido motivada por denúncias de tráfico de drogas e confirmou o uso da embarcação particular nos trabalhos.

Ao fim do dia 3, foi confirmada a morte de dois agentes e outros dois policiais feridos. Há relatos da morte de cinco comunitários, ainda sob apuração. No dia seguinte, a SSP enviou efetivo de 50 policiais, incluindo o comandante da Polícia Militar no Amazonas, para reforçar a ação no local. A partir daí, o MPF passou a receber relatos de diversos atos de abuso e violação de direitos por parte da Polícia Militar contra moradores tradicionais do rio Abacaxis.

Frente Ampla Amazônica pede providências

Em decorrência dos fatos ocorrido durante uma ação policial no rio Abacaxis, no município de Nova Olinda do Norte, a 240 km de Manaus, fato ocorrido na noite da última segunda-feira, 3, a Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas (FAMDDI) divulgou nesta sexta-feira, 7, uma nota direcionada às autoridades brasileiras e aos representantes das instituições ligadas aos direitos humanos.

No documento, a Frente Amazônica, solicita que as ações policiais em possíveis confrontos com narcotraficantes não extrapolem ainda mais a incidência de violência. A região do rio Abacaxis é marcada por disputas de terras, exploração da pesca turística e pelo domínio de pólos de poder de grupos de narcotraficantes.

De acordo com relatos nas redes sociais, a região foi transformada em área de guerra e abuso de autoridade policial com atos de violência física contra líderes comunitários e indígenas. Entre os pontos citados em nota pela Frente Amazônica, também consta o pedido de providências para que o Ministério Público Federal no Amazonas (MPF-AM), amplie a presença de agentes públicos naquela região a fim de prevenir conflitos, buscar soluções e impedir o avanço do narcotráfico.

Ao poder judiciário e legislativo, a entidade solicita agilidade em relação às medidas efetivas de proteção dos direitos humanos das populações de Nova Olinda do Norte, a fim de coibir os abusos ora relatados por moradores, ribeirinhos e indígenas.

A nota foi assinada pelo Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas (Foreeia), Associação dos Docentes da Universidade Federal do Amazonas (Adua), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Sindicato dos Jornalistas do Amazonas, Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Sociambiental (Sares), Mandato Popular Deputado Federal José Ricardo, Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami (Secoya), Federação do Povo Indígena (Kumami-Kukamiria), Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro Residentes em Manaus (Amarn) e União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).

SSP explica em nota operação feita rio Abacaxis

Também em nota, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) informa que a operação policial em curso em Nova Olinda do Norte teve início a partir de uma ocorrência em que um cidadão foi atingido por um disparo de arma de fogo no dia 24 de julho, em comunidade situada às margens do Rio Abacaxis. O fato teria ocorrido após conversa com supostas lideranças do local.

Relatos da vítima em Boletim de Ocorrência apontam que, antes de ser alvo de tiros, a embarcação em que ele estava na companhia de outras pessoas fora abordada, de madrugada, por indivíduos com armas de fogo, facas e tochas de fogo, logo na entrada do Rio.

Depois deste fato, foram iniciadas investigações e encontrados indícios dos crimes de tráfico de drogas e formação de milícia armada nessa região. Há cinco anos, em atuação conjunta, as forças de segurança já haviam destruído uma plantação de maconha de aproximadamente três hectares nas proximidades. Agora, investigações apontam para a possível existência de uma facção criminosa.

Efetivo nas ações

Diante dos indícios criminosos, foi montada uma operação policial para intensificar o trabalho ostensivo-repressivo, levantamento de informações em campo e busca de eventuais flagrantes.

No primeiro dia, os policiais realizaram o trabalho de forma velada, para identificar as possíveis ilegalidades. No fim da tarde, retornaram devidamente uniformizados e foram emboscados por membros do grupo criminoso.

Dois policiais militares foram assassinados e outros dois ficaram feridos. Diante da gravidade dos fatos, foram enviados reforços para a operação que já estava em curso, agora também com o objetivo de localizar os suspeitos pelo duplo homicídio e a tripla tentativa de homicídio.

Ainda conforme a nota, equipes policiais estão fazendo o trabalho de patrulhamento ostensivo e abordagens ao longo dos últimos dias. Durante as incursões, um homem atirou contra as equipes policiais, que se defenderam. O indivíduo identificado como Eligelson de Souza da Silva, 20, foi baleado e acabou morrendo. Com ele, foi apreendido um revólver calibre 38. Além dessa, não houve nenhuma outra ocorrência relacionada à operação.

Estão em Nova Olinda do Norte acompanhando a operação, o Corregedor-Geral do Sistema de Segurança, delegado George Gomes, o delegado chefe do Núcleo de Proteção ao Policial em Atividade, André Sena, além do delegado Cícero Tulio, que vai presidir eventuais inquéritos decorrentes da operação. A SSP também enviou investigadores, escrivães e peritos.
Supostos abusos

Segundo a Corregedoria, até o momento, não houve o recebimento de relatos de supostos abusos imputados aos agentes de segurança no curso dessa operação. A orientação é que tais casos sejam formalizados na Corregedoria Geral do Sistema de Segurança, para que os casos sejam devidamente apurados e os policiais possam exercer seu direito a ampla defesa e ao contraditório.

Trecho do pedido da Frente Ampla Amazônica (Reprodução/Internet)