Deputado denuncia que crianças são ‘alugadas’ para mendicância em semáforos de Manaus

Criança caminha em rua de Manaus (AM) (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

13 de janeiro de 2022

12:01

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS – Durante o programa “Boa Noite, Amazônia” dessa quarta-feira, 12, o deputado Álvaro Campelo, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Crianças, dos Adolescentes e Jovens, da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), denunciou o que chamou de “aluguel de crianças” para a mendicância em Manaus. A descoberta foi feita após fiscalizações das equipes da comissão.

“Hoje, existe uma meta diária para que essas crianças saiam dali do semáforo com esse dinheiro, caso contrário elas são (nesse momento o áudio é interrompido). Tem crianças que estão sendo alugadas e isso não é força de expressão”, explicou o deputado.

Criança pede dinheiro em semáforo de Manaus. (Ricardo Oliveira/ Cenarium)

“Nós vemos aí nos semáforos da cidade centenas de crianças que estão ali pedindo dinheiro, mas que por trás desse aparente gesto de solidariedade que a gente acha que está fazendo, na verdade você está institucionalizando uma violência”, acrescentou ainda o presidente da comissão, que organiza a campanha “Não dê dinheiro, dê futuro”.

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Dados recentes mostram que há, em média, 15 crianças e/ou adolescentes em cada semáforo localizado nas vias de grande fluxo, segundo o Conselho Tutelar da capital amazonense. As denúncias chegam todos os dias nas nove unidades do Conselho Tutelar que existem pelas zonas de Manaus. No total, há uma média de 150 casos registrados diariamente.

A situação é reiterada pelo conselheiro  Francisco Coelho Neto, do Conselho Tutelar da zona Centro-Sul de Manaus. Em julho de 2021, à CENARIUM, ele comentou sobre a situação das crianças que são alugadas pelos próprios pais para serem exploradas na mendicância das ruas da cidade. De acordo com Coelho Neto, a situação é mais habitual do que poderia ser.

“Essa questão de trabalho infantil é todo dia um problema. Todo mês a gente faz uma ação, encontra essas mães e vai na delegacia. A mãe aluga as crianças para pessoas as levarem ao sinal. A gente aborda a mãe, ou quem achamos que é a mãe, e pedimos a certidão de nascimento. Se não tiver a certidão, a encaminhamos para a delegacia. Se for constatado aluguel e crime de maus-tratos, a pessoa vai presa e a criança vai para o abrigo”, pontuou à época.

Ainda segundo o conselheiro, quando a pessoa é encaminhada à delegacia, é imputado ao suspeito o Artigo 238 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que se conceitua “Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa”. A pena é reclusão de um a quatro anos, e multa.

Veja o vídeo da entrevista do deputado Álvaro Campelo:

Punição

A juíza federal Jaiza Maria Pinto Fraxe reitera a preocupante situação das crianças que são exploradas diariamente nas ruas de Manaus e do País. “Mesmo com as ações para inibir esse tipo de crime, a cena se repete em vários pontos das cidade. As crianças se arriscam entre os carros até mesmo durante a noite, em ruas movimentadas, pedindo dinheiro, vendendo água ou sentadas na calçada durante todo o dia, horários em que poderiam estar estudando”, acrescenta.

Quanto à punição, Jaiza afirma que a expressão “aluguel de criança” é um senso comum e não faz jus à complexidade jurídica do problema. “Se formos focar no vocábulo ‘aluguel’, isso ajudará os que estão cometendo crimes contra crianças e adolescentes, pois não existe um tipo específico. O legislador do ECA não podia imaginar que isso aconteceria e não fez uma previsão específica”, explicou.

“É preciso separar os casos de mendicância (pela grave crise em que o País se encontra) dos casos de organizações criminosas que agem explorando e potencialmente corrompendo menores. Por outro lado, não se pode atribuir a presença de crianças e adolescentes nas ruas apenas às organizações criminosas que usam os menores de idade para atrair a comiseração da população e lhes pedir dinheiro. Há, sim, muita miséria, fome, desemprego e dor, tanto de brasileiros quando de migrantes”, finaliza ela.