Desabrigados por conta das enchentes, moradores da Bahia não comemoram chegada do Ano Novo

Moradores da cidade de Itabuna, na Bahia, tiveram as casas destruídas durante a enchente (João Paulo Guimarães/Cenarium)

02 de janeiro de 2022

14:01

João Paulo Guimarães – Da Revista Cenarium

Itabuna (BA) — Andando pelas ruas de Itabuna, no bairro de Mangabinha, na noite de Ano Novo, podemos perceber que o clima não é de comemoração, mas de reconstrução. Pessoas fora de suas casas limpavam as ruas e amontoavam suas perdas em entulhos que a prefeitura recolhe aos poucos.

O cheiro é insuportável, não há como descrever, mas mesmo assim pessoas como o seu Iranildo, que estava no meio da enchente, não querem abandonar seus imóveis. Ele perdeu tudo esse ano. Perdeu sua esposa e companheira de vida, que faleceu há sete meses, e também amigos de longa data, falecidos pela Covid-19. A casa, agora, está vazia, com apenas um sofá e garrafas de água doadas pela Congregação Passionista da Igreja Maria Goretti liderada pelo padre Francisco de Paula. Na cozinha de Iranildo apenas a geladeira quebrada que funciona, mas agora como uma despensa para pacotes de alimentos não perecíveis. Ele tenta secar uma Bíblia antiga, molhada e tomada por lama, cheia de fotos da família, único pertence e lembrança da esposa que ele conseguiu salvar após a enchente.

“Meu filho, perdi tudo como você tá vendo aí. Hoje é Ano Novo, mas como a gente comemora? Tem clima não. Olha minha cozinha. Nem botijão de gás ficou. A água levou tudo. Tô muito cansado pra comemorar. Tem que ajudar os vizinhos também.”

As ruas foram tomadas por entulhos, sujeira e destruição nos bairros mais afetados pela água que tomou a cidade (João Paulo Guimarães/ Cenarium)

Seu Zarrão, outro morador do Mangabinha, mostrou como ficou sua casa após a enxurrada das águas que atingiram o bairro. Não há mais telhado e nem pertences. Apenas uma cama e algumas roupas iluminadas por um fio que ele puxou da rua para ligar uma lâmpada. O volume da água chegou a mais de cinco metros no bairro. As pessoas que não tinham casa de dois andares tiveram que fugir desesperadas e as pessoas com casa de dois pavimentos ficaram presas na parte de cima até a chegada da ajuda.

Seu Zarrão conseguiu salvar apenas uma cama e algumas peças de roupas ( João Paulo Guimarães/ Cenarium)

Subida rápida

Itabuna é uma cidade com ruas que variam em sua altura na topografia fazendo com que as enchentes menores ocorram todo ano e isso fez com que a população se acostumasse, mas o volume de água que veio com a abertura da Represa de Itapé fez com que a população de alguns bairros fosse pega de surpresa pela força e velocidade com que a água chegou.

Não houve aviso ou preparo para a população. O volume do rio Cachoeira subiu mais de seis metros em questão de minutos. A água veio invadindo tudo como um tsunami mais lento, que foi enchendo as ruas minuto a minuto. Houve tempo para que as pessoas entendessem a necessidade de fugir de suas casas, mas não houve tempo para salvar móveis, eletrônicos, carros ou animais de estimação.

Foi tudo muito rápido e a resposta da população para essa velocidade foi a solidariedade. Grupos de donos de jet ski chegaram imediatamente para socorrer a população nas áreas mais afetadas como os bairros de Mangabinha e Bananeira. Nas ruas mais próximas onde a água não chegou, as pessoas também abandonaram o conforto para doar solidariedade e ajuda nas buscas e salvamentos.

Imagem da pós-enchente e inundações na cidade de Itabuna, no Estado da Bahia (João Paulo Guimarães/ Cenarium)

Joimara Santos fala que tudo começou no dia 26 de dezembro, às 18h. “Passamos o Natal ilhados e a situação ainda é crítica apesar de tudo ter passado. Eu estava assistindo à novela e fui até a cozinha e vi que tinha água até na altura do ‘peito’ do pé. Fui avisar meu pai que estava entrando água na cozinha. Foi uma questão de segundos em que chamei meu pai e voltei pra cozinha, quando a água já estava no tornozelo. Ouvimos os vizinhos gritando desesperados lá fora pra que a gente saísse de casa e subisse pro telhado do vizinho. Olhamos pra fora da casa pra tentar entender o que estava acontecendo porque não estávamos vendo as notícias e nem a rede social e foi aí que vimos o caos e não acreditamos quando vimos a água chegando com força carregando tudo”, relatou.

A mãe de Joimara, dona Eleuzina, de 82 anos, é cadeirante e precisou da ajuda de outro filho para sair de casa pela garagem. A porta da frente estava bloqueada e por muito pouco a família não ficou presa na casa, pois em questão de minutos o local foi tomado pela água até o telhado. A água atingiu mais de seis metros na área em que Joimara e sua família estavam.

Sem prestação de contas

A Prefeitura iniciou os trabalhos de limpeza das ruas, mas recebeu muitas críticas da população, que acredita que houve desvio de dinheiro das doações feitas por meio de Pix aberto pela própria prefeitura que ainda não prestou contas do valor depositado para ajudar as vítimas dessa enchente, que, de acordo com a população, foi pior que a enchente de 1967 na região.