10 de outubro de 2021
15:10
Marcos Lima – Da Cenarium
MANAUS – A pandemia do novo coronavírus foi marcada pela disseminação em massa de notícias falsas referentes à doença. Uma delas é a desinformação sobre a vacina que previne o contágio pela Covid-19. As chamadas ‘fake news’ chegaram às aldeias indígenas, o que atrapalhou a imunização desses povos.
O alerta foi dado pelo professor Orlando Melgueiro, 60, da Etnia Baré, vice-coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas e Povos do Amazonas (Coipam), nascido em Cucui, fronteira com a Colômbia e Venezuela, na “Cabeça do Cachorro”, em São Gabriel da Cachoeira (a 852 quilômetros de Manaus). Para ele, e outros representantes, a recusa das vacinas pelos indígenas está associada, justamente, à disseminação de notícias falsas.
“A situação indígena é preocupante, por conta das ‘fake news’ que chegam nas comunidades, sejam por vias religiosas, como por parte de evangélicos, ou por pessoas de má-fé, que informam para as lideranças das comunidades que a vacina pode transformar pessoas, aumentar as doenças no organismo e outras coisas. Considerando que a saúde dos indígenas a nível mundial é muito frágil, e tem pouca imunidade, a Covid-19 pode ser fatal para as populações indígenas que recusam a vacina”, disse Melgueiro.
Segundo o líder indígena, as informações falsas são tão mirabolantes que chegam a noticiar que o mundo vai acabar e que as vacinas vão acelerar o extermínio das pessoas. Por temerem, os indígenas acabam se recusando a tomar a vacina ou receber profissionais da saúde nas aldeias. Orlando relatou que presenciou esse fato em várias aldeias, como nas aldeias Yanomami, em Roraima; Apurinã, no Alto Purus e Marawiyá, no Amazonas, Marubos e Maioruna, no Vale do Jauari, no Pará.
“Muitos ‘parentes’ faleceram neste ano, sem contar centenas que morreram ano passado. Diante disso, a Fundação Nacional do Índio (Funai), que exerce políticas públicas para a população, no âmbito da tutela, está sendo extremamente prejudicial, ou seja, não está exercendo a política pública da legislação brasileira”, citou Melgueiro.
A insatisfação dos indígenas com a Fundação Nacional do Índio fez com que a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), juntamente com a Defensoria Pública da União (DPU), apresentassem ação civil pública, na Justiça Federal de Brasília, contra o presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva, na terça-feira, 5. A organização pede a saída de Xavier por infringir a Constituição.
“A permanência de Marcelo Augusto Xavier da Silva, na presidência da Funai, semeando a destruição das estruturas estatais de proteção dos direitos indígenas, como se vê em diversos outros órgãos do atual governo, é a falência do Estado Democrático de Direito. O sistema de freios e contrapesos deve funcionar para garantir a observância dos direitos humanos. Como guardião dos direitos fundamentais, firme na necessidade de assumir posturas e decisões contramajoritárias”, conclui a Apib.
“Outro fato é que as organizações indígenas nos últimos anos se enfraqueceram devido a várias situações e ações de governo, como captação de lideranças ou coisa desta natureza. Foram apresentadas algumas denúncias a nível internacional e que o governo federal não está dando assistência às populações indígenas e está cometendo genocídio em muitas comunidades indígenas”, comentou Orlando.
Em 24 de setembro de 2021, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso, proibiu a presença de missões religiosas nas aldeias indígenas por entender que devido à pandemia causada pelo coronavírus teria que haver um cuidado maior com os povos que vivem de maneira isolada para não serem infectados por pessoas de fora do seu convívio.
Com a proibição dos grupos religiosos nas aldeias, a Frente Parlamentar Evangélica divulgou uma nota de repúdio ao ministro Luís Roberto Barroso, do STF, por conta da proibição de missões religiosas em aldeias indígenas isoladas alegando que a decisão era “anticristã” e “antidemocrática” e foi tomada pelo ministro com o “simples intuito de promover acintosamente uma perseguição ideológica e religiosa aos missionários cristãos”.
“A decisão do Ministro Barroso consiste em verdadeira perseguição e uma tentativa de impedimento das atividades missionárias junto aos povos indígenas do Brasil, justamente em um momento em que precisam de apoio, como o da atual pandemia de Covid-19”, disse a nota da frente religiosa.
Segundo o Boletim Epidemiológico da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde, já foram registrados 53.997 casos de indígenas infectados e 817 mortes causadas pela Covid-19. No Amazonas, já foram 8.940 casos confirmados e 142 óbitos causados pelo coronavírus.
“Historicamente, sempre existiu resistência a ‘remédio de branco’. Mas o que a gente está vendo agora é uma recusa acima a média, ajudada também por uma campanha de desacreditação e fake news, propagandas numa região já complicada. É muita desinformação circulando com histórias absurdas como de um chip implantado no corpo de quem for vacinado, para ser monitorado pelos chineses, vai virar jacaré ou que a vacina e feita por embriões de aborto. São desinformações que geram medo e matam”, disse Caetano Scanavinno, representante do Projeto Saúde e Alegria, que atua desde 1987 na Amazônia brasileira.
O Ministério da Saúde estimou o número de 406.962 como indígenas do público alvo para receberem a vacinação contra a Covid-19. Desse total, 329.714 indígenas já receberam a dose única ou as duas doses da vacina e estão imunizados, o que corresponde a 81% do público alvo. No Amazonas, a população indígena que pode receber a vacinação é de 91.980. Já foram vacinados com a segunda dose ou a dose única, 70.682, o que corresponde a 77% do público-alvo. Para Orlando, esse número poderia ser ainda maior, caso não houvesse desinformação nas aldeias.
“É preocupante a situação, no Amazonas, por conta das ‘fake news’. Muitos ‘parentes’ foram vacinados com as duas doses da vacina contra a Covid-19 e muitos da terceira idade aguardam a dose de reforço, que pode fortalecer o organismo diante da doença. É importante que os agentes de vacinação continuem em prol das comunidades indígenas e realizem a vacinação. É lamentável o que aconteceu e a gente espera que as organizações indígenas se fortaleçam cada vez mais e assim possam responder por suas comunidades para evitar desinformação”, finalizou Orlando Baré.