Discursos contra LGBTQIA+, negros e ativistas alimentam ‘debandada natural’ do PL, após filiação de Bolsonaro

Bolsonaro no Lançamento do Crédito CAIXA Tem. (Marcos Corrêa/PR)

01 de dezembro de 2021

15:12

Iury Lima – Da Cenarium

VILHENA (RO) – A filiação do presidente Jair Bolsonaro ao Partido Liberal (PL) nessa terça-feira, 30, incomodou alguns filiados. No mesmo dia em que o Partido Liberal comemorou a chegada do presidente à legenda, o vereador de São Paulo, Thammy Miranda, até então também do PL, anunciou a saída. O vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos, voltou a afirmar que “não estará no mesmo palanque” que o presidente da República.

“Eu vou sair do partido. A gente tem ideias diferentes, além de que já sofri ataques pessoais de membros da família do presidente, inclusive contra o meu filho quando ainda era um recém-nascido. E eu não entrei na política para atacar ninguém, para desrespeitar qualquer pessoa que seja, eu não entrei para lutar contra políticos, e sim para lutar pela nossa gente”, declarou o vereador em um vídeo no Twitter.

Thammy Miranda diz que tem ideias diferentes e que ataques pessoais de membros da família do presidente alimentam saída do PL. (Reprodução/Twitter)

Também por meio da rede social, Marcelo Ramos (PL), que já havia falado sobre o “desconforto” e “situação insustentável” caso o presidente ingressasse para a sigla, declarou que respeita o momento de “festa no PL”. “Como já disse, não estarei nesse palanque”, continuou, salientando que, em retribuição ao respeito e prestígio que sempre recebeu do Partido Liberal, só iria se manifestar nesta quarta-feira, 1º, sobre a sua permanência ou desfiliação.

Deputado federal do Amazonas não compactua com Bolsonaro no PL. (Reprodução/Câmara Federal)

À CENARIUM, o cientista político Carlos Santiago pontuou que essa movimentação é uma “debandada natural”.

“É natural que haja uma debandada de parlamentares, de lideranças políticas, de filiados, porque a ideia do presidente Bolsonaro de buscar uma política que favoreça aos interesses do grande capital, uma política com forte apelo à pauta dos costumes, contra gays, contra negros, contra ativistas sociais de causas em defesa da democracia, é inaceitável para muitos brasileiros e brasileiras filiados ao Partido Liberal. Por outro lado, com a chegada de Jair Bolsonaro ao PL, o partido vai crescer”, avaliou.

A CENARIUM questionou Marcelo Ramos sobre qual decisão deve tomar após a filiação de Jair Bolsonaro, mas não obteve resposta, até o fechamento da reportagem.

Real interesse

Bolsonaro passa a integrar o PL depois de quase dois anos sem partido, desde que se desfiliou do PSL, em novembro de 2019, sigla na qual foi eleito à presidência um ano antes. A filiação, para Carlos Santiago, não é coincidência, tendo em vista a corrida eleitoral de 2022 batendo à porta.

“A filiação de Bolsonaro fortalece a sua estratégia de formar uma grande aliança política nacional objetivando a sua reeleição e, também, nos Estados, até porque a sua filiação ao Partido Liberal traz a possibilidade real de uma composição com o Partido Republicano e o Partido Progressista”, destaca o cientista político. 

O especialista também afirma que com a entrada de vários deputados federais, senadores, administradores públicos estaduais e municipais, o PL deve crescer, e que isso, “do ponto de vista quantitativo, supera as saídas de filiados”.

“Bolsonaro será candidato do Partido Liberal a presidente da República, mesmo se posicionando contra valores democráticos, contra mulheres, ativistas, contra os LGBTQIA+, contra os negros (…) fazendo uma política mais ligada aos interesses do mercado do que aos interesses nacionais, inclusive uma política ambiental muito negativa para a Amazônia e para os amazônidas”, acrescenta.

O cientista político Carlos Santiago diz que a política conservadora de Bolsonaro fere os direitos de minorias, bem como é desastrosa para a Amazônia. (Reprodução/Acervo pessoal)

Contradição

Advogado, especialista em Ciências Sociais e professor universitário, Helso Ribeiro avalia como muito contraditória a filiação de Bolsonaro ao PL, que, por ser liberal, deveria atuar contra aquilo que prega o chefe do Executivo Nacional. 

“O liberalismo nada mais quer do que o respeito à individualidade e a ausência do Estado, isso aí é o cerne. Um partido que tem o nome de Liberal, é claro que ele deveria defender a população LGBTQIA+, defender as pessoas que estão excluídas da sociedade, os negros, as mulheres, indígenas, enfim. E essa a gente sabe que não é a tônica do discurso do presidente da República.  Ele se pauta por uma veia conservadora e isso representa mais uma das contradições da filiação a partidos políticos”, declarou Ribeiro à reportagem.

Para Helso Ribeiro, a filiação é contraditória aos interesses de um partido ‘liberal’, além de servir apenas por conveniência eleitoral. (Reprodução/Acervo pessoal)

Escolha ‘casuística’

Ainda de acordo com Ribeiro, a filiação do presidente Bolsonaro ao PL “é uma entrada casuística”, tendo em vista que este é o nono partido o qual integra em toda sua trajetória política.

“Ele tentou um partido para chamar de seu, que foi o APB, Aliança pelo Brasil, mas não conseguiu e ele necessita de uma sigla. Claro que foi um ‘toma lá dá cá’. Quando você pergunta se isso pode manchar a imagem do PL ou ajudaria o partido, mais uma vez, eu reforço essas múltiplas implicações, pois acredito que o presidente Bolsonaro deve levar com ele um número de políticos como vantagem. Eu acredito que quando houver a janela partidária, alguns seguidores cegos ou seguidores ardentes do presidente ingressarão no PL também. Aqui em Manaus está certo o ingresso do Coronel Menezes”, detalhou o especialista.

Coronel Menezes, ex-presidente da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), também filiou-se ao PL e afirmou que quer concorrer nas próximas eleições como candidato a senador, além de organizar a campanha presidencial de Bolsonaro no Amazonas. 

“Mais uma vez, nós observamos que esse nono partido do presidente da República servirá apenas para que ele seja candidato. Ele não terá nenhum vínculo de amor, ele pode até jurar amor eterno, mas esse amor é capaz de acabar logo após as eleições. Mais uma sigla partidária que se presta apenas ao candidato das eleições do dia. Eu não sei se isso dura. E eu diria, se tivesse que apostar, que esse ‘namoro’, esse ‘casamento’, tem data para acabar rápido”, concluiu Helso Ribeiro.  

Em vídeo, PL comemora filiação