Entidades religiosas emitem nota de apoio à pastora ameaçada de morte após celebrar casamento entre duas mulheres

Odja Barros é doutora em teologia há mais de 20 anos. (Reprodução/Instagram)

17 de dezembro de 2021

19:12

Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

MANAUS — Após celebrar o casamento de duas mulheres em Maceió, no dia 5 de dezembro, a pastora Odja Barros passou a sofrer ameaças de morte na rede social. Embora a repercussão positiva nas mídias nacionais, as bênçãos da pastora, que inclusive é uma das primeiras celebrações de união entre pessoas do mesmo sexo conduzida por uma líder batista, também despertou a ira daqueles que se dizem “cristão” e contra ao casamento homoafetivo. Durante este período, entidades declararam apoio à líder religiosa da região.

Na manhã de terça-feira, 14, em meio às mensagens de carinho, uma das filhas da pastora que administrava o perfil da mãe se deparou com diversas mensagens de manifestações contrárias à iniciativa em prol das minorias que Odja costuma realizar. Porém, uma delas chamou a atenção da pastora. Era a foto de uma arma acompanhada de um áudio de ameaça contra Odja e família.

Mensagens enviadas para a rede social da pastora. (Reprodução/Instagram)

“Está vendo esse revólver aqui? Eu vou colocar cinco balas na sua cabeça, viu, sua sapatão?! Nunca que você é uma teóloga. Nunca, mano! Está tirando, mano. Tu está usando a Bíblia, mano, que nunca leu um livro para casar duas ‘mulé’, sendo que Deus condena isso lá em Levítico. Você está tirando, mano, teóloga? Quantos ‘livro’ você leu, cara? Você vai pagar, minha irmã, porque eu já tenho aqui os seus familiares”, enviou o homem com mais de 16 mil seguidores na rede social Instagram.

Em apoio à pastora Odja, diversas entidades religiosas manifestaram notas de repúdio e solidariedade. A Igreja Batista de Pinheiro, por exemplo, divulgou um texto onde destacou o amor incondicional que acolhe, abriga e abre caminhos para que as pessoas “cheguem livremente à presença de Jesus”. A nota pede ainda que as autoridades do Estado de Alagoas apure com rigor as ameaças e ataques e que o envolvido responda pelos atos.

Nota de apoio à pastora. (Reprodução/Instagram)

“Que sejam promovidas ações de combate para que atos odiosos como este não sejam repetidos. (…) A nossa pastora Odja, a nossa irrestrita solidariedade. Ela não está só, não estamos sós, somos corpos, somos famílias IBP”, consta a nota.

O Movimento Negro Evangélico do Brasil também expressou solidariedade à Odja e ressaltou: “Não podemos tratar com normalidade pessoas usando o nome de Deus, a Bíblia, para justificar o ódio. (…) Somos gratos pela vida da Pra. Odja e pelo servir que ela juntamente com sua comunidade demonstra, especialmente, para com os que sofrem com o racismo, machismo, lgbtqfobia e toda forma de opressão”, informa o texto.

(Reprodução/ Instagram)

Intolerância

Após receber o conteúdo, a líder religiosa registrou um boletim de ocorrência e formalizou uma denúncia na Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh) alegando crimes de ódio religioso, homofobia e atentado.

De acordo com o padre Josué Nascimento, infelizmente, ainda há dicotomia entre fé e vida; há uma cisão radical entre crer e amar. Ele afirma que pôr em prática o mandamento é um processo longo e duradouro de conversão cotidiana. Ele destaca que a fé como justificativa para alimentar o ódio não é o que clamam as religiões em sua essência, seja qual for o Deus, a intolerância sempre é uma obra humana.

“Infelizmente, achamos que por pertencer a uma religião elimina todo sentimento de intolerância, discriminação e até ataques violentos ao que é contrário às minhas crenças e princípios. Pura ilusão! Religião sem amor é crueldade! Fé sem caridade é hipocrisia. O mandamento de amar ao próximo como a si mesmo é uma conquista de cada um e não tem nada a ver eu ser católico, evangélico, espírita, umbandista, judeu ou ateu. É uma decisão pessoal. É uma atitude própria.”, considera o padre.

O religioso cita o professor de Antropologia Social da Faculdade IENH Luis Alexandre Cerveira, lembrando que a aversão e o ódio pela orientação sexual de outra pessoa são, na verdade, reações a uma falta de clareza sobre si. “Nunca é sobre o outro, é sempre sobre a gente mesmo. O ser diferente afeta e desestabiliza”, pontua padre Josué.

Mais Amor, Menos ódio

Tuane Alves e Érika Ribeiro, ambas de 29 anos, recém-casadas pela pastora, lamentaram o ocorrido e também se dizem assustadas com a gravidade das ameaças. Convidadas para participarem da gravação de um programa na TV CENARIUM, o casal comentou sobre o episódio.

“Entramos com medida protetiva e tudo. Só gravamos esse vídeo porque foi para vocês. Vários veículos de impressa continuam nos procurando para entrevistas e estamos evitando, mas é porque estamos esperando passar esse turbilhão de coisas que têm sido difíceis nos últimos dias, as ameaças de morte, dela, da família,” comenta Tuane.

Filha de Odja desabafa na Internet (Reprodução/ Twitter)

A filha de Odja também se pronunciou sobre o assunto e postou na rede social Twitter. “Minha mãe recebeu ameaça de morte no Instagram. Um louco que se diz de Maceió mandou foto de uma arma e áudio dizendo que estava monitorando ela e a família. E disse que vai dar cinco tiros na cabeça dela por celebrar casamento homoafetivo (…) Isso é que o fundamentalismo religioso faz com as pessoas. Estou sem chão com isso tudo”, postou.

Pastora Odja Barros

Conhecida por ser uma pastora feminista e aliada às causas LGTBQIA+ e minorias, Odja Barros é doutora em teologia há mais de 20 anos. Vale ressaltar que a designação batista é conhecida por ser, dentre as denominações existentes, uma das mais tradicionais entre as igrejas evangélicas.