Especial Diversidade: ‘Apesar dos 70 anos de luta, o racismo está fortemente presente’, diz advogada negra e ativista

Ativistas ressaltam a importância do movimento negro, medidas de inclusão e políticas afirmativas (Reprodução/Internet)

05 de julho de 2021

11:07

MANAUS – Há 70 anos, mais precisamente no dia 3 de julho de 1951, o Congresso Nacional aprovou a primeira lei contra o racismo no Brasil. A lei prevê como contravenção penal toda e qualquer prática de preconceito por raça ou cor.

Para a presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Amazonas (OAB-AM), Carolina Amaral, a data é emblemática para a luta do movimento negro. O racismo tanto estrutural quanto institucional impedem que as mediadas de inclusão e políticas afirmativas sejam implementadas e impeçam que de fato a violência contra corpos negros seja reduzida.

“Quando falamos em discriminação racial, não falamos só em discriminação direta, falamos também em racismo velado e da prática. Inclusive, das forças policiais no sentido de criminalizar a população negra como, por exemplo, a chacina do Jacarezinho no Rio de Janeiro”, destaca a presidente da Comissão de Igualdade Racial.

Para cada não negro assassinado, 2,7 negros são vítimas de homicídio (Foto: Divulgação/Ipea)

Chaga social

A advogada negra e ativista Luciana Santos diz que percebeu que o racismo ainda está fortemente presente na sociedade brasileira, configurando numa verdadeira chaga social que impede que a população negra (maioria da população do Brasil) e também a indígena possam gozar de seus direitos em plenitude, como ocorre com os tidos como brancos.

“Esse abismo entre não brancos e brancos pode ser verificado nos dados oficiais sobre educação, saúde, acesso à moradia e ao emprego, para citar só alguns direitos. Somos ainda os que mais morrem em decorrência da violência policial, os que superlotam os presídios e as maiores vítimas de feminicídio, violência doméstica e estupro. Políticas públicas direcionadas à população negra não são de fato efetivadas, revelando uma face do racismo institucional e estrutural”, diz a advogada.

Luciana ressaltou ainda que com o crescimento da onda de extrema-direita do País, o racismo religioso também se tornou mais recorrente e afetando os terreiros, espaços religiosos, de acolhimento e de guarda da cultura afro-brasileira.

“Populações quilombolas têm visto seus territórios em risco, mesmo tendo proteção constitucional. Diante de tantos desafios, o movimento negro brasileiro e o indígena também têm crescido e vêm articulando maneiras de não só manter os direitos tão duramente conquistados ao longo da história, como também avançar na pauta de demandas que ainda fazem do Brasil um País desigual e racista”, finalizou.

Dados

Apesar da Lei Federal nº 1390/51 ter sido um primeiro passo no reconhecimento do racismo. Os dados do Atlas da Violência 2020, mostram que a data é muito mais voltada para um momento de reflexão do que celebração. De acordo com o documento, de 2008 a 2018, o índice de homicídios de negros cresceu 11,5% e o de não negros caiu 12%.

Até o ano de 2018, o Atlas ressaltou 628.595 homicídios ocorridos no Brasil. Dessas mortes, 91,8% eram homens e 8% eram mulheres. Em relação ao risco de ser assassinado, a pesquisa mostrou que o homem negro, até então, apresentava 74% maior chance de ter a vida ceifada e as mulheres negras 64% do que pessoas não negras.

Carolina Amaral contou ainda que acredita que as conquistas são importantes, mas sem viabilização prática das políticas públicas para o combate da discriminação racial, para a proteção da vida, segurança, da integridade física e psíquica da população negra são legislações que acabam ficando vazias e sem propósitos.

“Nós temos que pensar em ocupação de espaços de poder, dentro do Legislativo, Judiciário, e dialogar com a Secretaria de Segurança Pública do Estado com o sentido de conscientizar as forças policiais a cerca disso. O racismo nos atinge em todas as esferas, não existe proteção por status social, um bom emprego não te blinda do preconceito”, finalizou.

Mais estatísticas

No Estado do Amazonas, de acordo com informações da Secretaria de Segurança Pública (SSP), nos últimos quatro anos, foram registrados 63 casos de racismo nas delegacias. Os números são correspondentes do ano de 2018 a maio de 2021, sendo o ano de 2019 com mais registros, somando 25 casos.

Vale lembrar que estes números correspondem aos casos registrados, porém há muitos outros que certamente não foram parar na delegacia. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também traz números entristecedores.

O estudo aponta que os negros somam 72,9% dos desocupados do País de um total de 13,9 milhões de pessoas que se encontram na mesma situação. O balanço corresponde ao quarto trimestre de 2020, período de outubro a dezembro.