ESPECIAL | Eles fizeram a Amazônia de cobaia – Antiética médica

A secretária da Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, que é médica, fez ampla divulgação do ‘Kit Covid (Edilson Rodrigues/Agência Senado)

28 de agosto de 2021

10:08

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS – O uso do chamado “Kit Covid”, recomendado pelo Ministério da Saúde (MS), até pouco tempo atrás, e descartado publicamente pela pasta, em julho, por não apresentar qualquer eficácia no combate à Covid19, conforme carta enviada pelo órgão à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia no Senado, contraria o que determina o Código de Ética Médica.

Segundo o documento, instituído a partir da Resolução nº 1.931/2009 do Conselho Federal de Medicina (CFM), é vedado ao médico “permitir que interesses pecuniários, ‘políticos, religiosos’ ou de quaisquer outras ordens, do seu emprega – dor ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde, interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e ‘cientificamente reconhecidos’ no interesse da saúde do paciente ou da sociedade (art.20)”.

Conforme o documento, que traz as normas a serem seguidas pelos profissionais médicos durante o exercício da profissão, também é proibido “deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente (art.32)”.

O artigo 102 do documento veda ao profissional médico “deixar de utilizar a terapêutica correta, quando seu uso estiver liberado no País”, e libera a utilização de terapêutica experimental “quando aceita pelos órgãos competentes e com o consentimento do paciente ou de seu representante legal, adequadamente esclarecidos da situação e das possíveis consequências”. A cloroquina, hidroxicloroquina e a ivermectina, entre outros medicamentos que compõem o ‘Kit’, não têm uso aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o tratamento da Covid-19, muito embora parte deles seja padronizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas para o tratamento de outras enfermidades.

Por fim, o Código de Ética Médica destaca, em seu artigo 113, que é vedado a médicos a divulgação, “fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente”. Exatamente o contrário do que vinha ocorrendo no Brasil.

Um exemplo desse tipo de divulgação partiu da secretária da Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, que é médica e divulgou, à exaustão, o uso do “Kit Covid”, inclusive em Manaus, no Amazonas, cidade que visitou em janeiro de 2021, durante o segundo pico da pandemia do novo coronavírus no Amazonas, para lançar o aplicativo TratCov, cujo objetivo era facilitar o diagnóstico e o tratamento ‘precoce’ da Covid-19, através de drogas sem eficácia comprovada cientificamente.

Poucos dias após a visita de Mayra Pinheiro a Manaus, para impor a utilização do “Kit Covid” na capital, a cidade atingiu o pico da segunda onda da Covid-19, com uma taxa de capacidade de transmissão (Rt) de 1.30 (cada 100 pessoas transmitiam para até 130), a maior registrada até então. Autoridades em saúde recomendam que a taxa Rt fique abaixo de 1.00. A meta pode ajudar no controle da pandemia.

Segundo o Loft Science, que atualiza diariamente a taxa Rt nos Estados e no País, considerando como metodologia o número de reprodução eficaz, até o dia 21 de julho deste ano, o Amazonas mantinha uma taxa Rt de 0.98, a 4ª maior entre as unidades da federação, apesar da redução significativa no número de casos e óbitos no Estado, de janeiro a julho.