Especial – Tragédia Yanomami: Pânico na aldeia

Equipe de reportagem foi recebida em Palimiú por indígenas desconfiados e amendrontados, empunhando armas, como flechas (Marcelo Marques/Direitos Reservados)

30 de junho de 2021

11:06

Marcelo Marques – Especial para a Revista Cenarium

BOA VISTA, RR – Uma cena de filme. No meio da floresta, homens, mulheres e crianças saem correndo na tentativa de se salvar após serem surpreendidos com disparos de armas de fogo pesadas, como fuzis e metralhadoras. Eram sete canoas carregadas de garimpeiros ilegais. Os indígenas revidaram com armas de caça, em um conflito aberto. O ataque durou cerca de meia hora e, como resultado, cinco pessoas ficaram feridas, um indígena com uma bala de raspão na cabeça e quatro garimpeiros, resgatados pelos seus comparsas. Esse foi o primeiro dia de ataque no mais recente conflito entre garimpeiros e indígenas, em 10 de maio, na comunidade Palimiú, localizada na Terra Indígena Yanomami, a maior do Brasil, com mais de 9 milhões de hectares, situada entre os estados do Amazonas e Roraima.

“Muitas crianças se perderam no mato e ficaram sozinhas, próximo ao rio Uraricoera. No dia 12, encontraram os corpos dos dois meninos na água, já sem vida. Estavam afogadas. Uma tinha um ano e outra cinco”,

Associação Hutukara, em Nota Pública.

A ação violenta foi reportada pela Hutukara Associação Yanomami, em ofício urgente enviado à Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami da Fundação Nacional do Índio (Funai), à superintendência da Polícia Federal em Roraima (PF/ RR), à 1ª Brigada de Infantaria da Selva do Exército (1ª BIS) e ao Ministério Público Federal em Roraima (MPF/RR).

Lideranças Yanomami de Palimiú foram a Boa Vista denunciar à imprensa e ao MPF os ataques constantes dos garimpeiros (Divulgação)

Ainda neste primeiro dia, vários áudios circulavam nos grupos das redes sociais dos garimpeiros e logo se espalharam pela internet, informando da participação de grupos de facções durante o tiroteio: “Fala aí, ‘meus amigo’. Pois é, ‘meus amigo’ (sic). Alguém me informa aí o que tá acontecendo no [Rio] Uraricoera?”, diz o primeiro áudio.

“Rapaz, o negócio aqui vai pegar. Tá descendo uma canoa aqui da facção. Mais de 20 homens armados, lá para os Americano [apelido de Missão Evangélica na Terra Indígena Yanomami], que tomaram os óleo (SIC) deles aí. Tá os [motores] 75 [HP] aqui. Bem perto do flutuante. Vai descer agora, tudo com metralhadora, fuzil, ‘os caralho’ aí (SIC). Vão descendo pros Americano lá. O negócio vai pegar. Se eles matarem 10, 15 índios, o negócio pega aqui dentro. E a gente tem de ficar ‘pila’, cabreiro por aqui (SIC). Eles estão descendo, estão bem aqui pertinho, onde era o barraco da Roseli, bem aqui do Piauí. Daqui a pouco, eles descem aí”, responde um garimpeiro em outro áudio.

A cena de terror não parou por aí. No dia seguinte, a Polícia Federal (PF) foi à aldeia apurar informações e, desta vez, a própria tropa da União foi atacada com novos disparos por homens encapuzados. Conforme a PF e as lideranças indígenas, não houve feridos, mas, segundo os garimpeiros, um garimpeiro foi morto pela PF.

Em meio ao medo, muitas crianças Yanomami se refugiaram na floresta, desesperadas com os ataques. No dia 12, dois dias depois do primeiro ataque, dois meninos foram encontrados afogados no Rio Uraricoera. “No meio da situação de desespero, muitas crianças se perderam no mato e ficaram desaparecidas, sozinhas, próximo ao Rio Uraricoera. No dia 11, os adultos saíram à sua procura. Muitas crianças foram encontradas, mas dois meninos continuaram desaparecidos. No dia 12, às 15 horas, encontraram os corpos dos dois meninos na água, já sem vida. As crianças estavam afogadas. Uma criança tinha um ano e a outra cinco anos”, diz trecho de Nota Pública da Hutukara.

Em Palimiú, indígenas correm para a margem do Rio Uraricoera para mostrar a barreira sanitária que construíram (Marcelo Marques)

A Associação Hutukara foi comunicada, no dia 15 de maio, pelas lideranças indígenas de Palimiú, quando estiveram em Boa Vista (RR) para relatar pessoalmente à imprensa e ao MPF os sucessivos ataques que sofreram por vários dias, já que as tropas da PF e do Exército não ficaram, permanentemente, na comunidade e os barcos com garimpeiros ilegais continuavam ameaçando a comunidade.

“Minha alma está muito revoltada. Podemos perder a nossa vida a qualquer momento. Sempre falamos com as autoridades e nada acontece. Somos seres humanos, temos direitos, somos cidadãos brasileiros. Lá é nossa casa, não queremos garimpo”,

Celia Palimi Thëri, liderança de Palimiú.