Especial – Tragédia Yanomami

É um genocídio que mata pela bala, pela fome, pelo mercúrio, pela perda das matas e rios, pela morte da tradição (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

28 de junho de 2021

11:06

MANAUS – Um dos maiores povos indígenas, os Yanomami, habitantes das florestas e montanhas do norte do Brasil e sul da Venezuela, vivem a repetição de tragédias humanitárias do passado. Foram colocados em situação de abandono pela omissão do governo federal, que permite a invasão do garimpo ilegal de ouro e nega direitos básicos, como saneamento e acesso a água potável e a saúde. É um genocídio que mata pela bala, pela fome, pelo mercúrio, pela perda das matas e rios, pela morte da tradição.

Como ocorre nas favelas do Rio de Janeiro, onde o tráfico de drogas coopta pela promessa de “riqueza fácil” e cria um estado paralelo, com regras próprias, indígenas acabam seduzidos pelo garimpo, do mesmo modo que jovens e adolescentes das periferias passam para o lado do crime. Cria-se, assim, não só uma invasão de território, mas também inimigos dentro das próprias comunidades. Os conflitos são internos e externos.

A esse cenário de invasão soma-se, ainda, segundo o médico especialista em Saúde Indígena da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Paulo Cesar Basta, uma devastação gigantesca das espécies nativas da fauna e da flora, e um consequente escasseamento das fontes alimentares orgânicas. “Muitos homens, jovens principalmente, são cooptados pelos garimpos. São retirados de suas próprias comunidades, deixam de cuidar do sustento da casa, o que acentua o problema da desnutrição, divide a comunidade e incita a escalada da violência entre eles”, adverte o pesquisador.

“Muitos homens, jovens principalmente, são cooptados pelos garimpos. Isso divide a comunidade e incita a escalada de violência entre eles”, Paulo Basta, médico especialista em Saúde Indígena da Fiocruz.

Paulo Basta, médico especialista em Saúde Indígena da Fiocruz (Acervo Pessoal)

Com a abertura das clareiras em busca do ouro e a utilização de maquinário pesado para a abertura de passagens, ocorre, ainda, o desmatamento, o que faz com que as caças fiquem raras. Para o especialista da Fiocruz, a situação só se agrava. “Peixes morrem, não tem mais cogumelo, porque o trator passou por cima. Ocorre um escasseamento das fontes de alimentos”, complementa. Abre-se espaço para o consumo de produtos industrializados levados pelo contato com a sociedade não-indígena.

Crime organizado

Com a presença do crime organizado desponta todo o tipo de violência. Onde o Estado se omite, o crime domina.

“Nós temos um quadro de abandono por parte do Estado, ao longo dos anos. E, muito disso, deve-se a toda uma conjuntura criada após a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, onde, por muitos anos, houve conflitos com arrozeiros na região. Todas essas situações contribuíram para o agravamento do atual cenário nessas terras”, afirma a professora de Direito da Universidade Federal de Rondônia (Unir) e líder do Grupo de Pesquisa Diterra – Direito, Território & Amazônia, Neiva Araújo, ao analisar o caso específico de Roraima.

“Nós temos um quadro de abandono por parte do Estado, ao longo dos anos”, Neiva Araújo, professora de Direito da Universidade Federal de Rondônia (Unir) e líder do Grupo de Pesquisa Diterra – Direito, Território & Amazônia

Neiva Araújo, professora de Direito da Universidade Federal de Rondônia (Unir) e líder do Grupo de Pesquisa Diterra – Direito, Território & Amazônia (Acervo Pessoal)

Neiva Araújo destaca o processo de enfraquecimento das instituições ambientais como uma das causas que, segundo ela, deixam os invasores “muito à vontade para questionar o papel do Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e da Polícia Federal no Pará”, para citar um exemplo trazido pela especialista. “Isso demonstra a importância de nós termos instituições fortes. Soma-se a essa crise de enfraquecimento institucional, a não presença do Estado com a oferta de serviços básicos essenciais. Nós temos um espaço totalmente favorável para a presença do crime organizado”, advertiu.

É esse complexo emaranhado de causas e efeitos que a REVISTA CENARIUM traz para esta reportagem, partindo dos recentes ataques de garimpeiros à comunidade Yanomami Palimiú, em Roraima, para as raízes de um processo profundo que relega aos indígenas condição vulnerável e culmina em devastação.