Especialistas comentam crescimento do feminicídio entre mulheres negras no Brasil

Geordana Nataly Sales, de apenas 20 anos, foi morta a facadas pelo ex-namorado (Reprodução/ Internet)

11 de setembro de 2021

20:09

Priscilla Peixoto – Da Cenarium

MANAUS – Especialistas consultados neste sábado, 11, comentam o crescente aumento do feminicídio entre mulheres negras no Brasil. Um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), conhecido como “Atlas da Violência”, aponta que entre os anos de 2009 a 2019, 50.056 mil mulheres foram mortas pelo próprio companheiro.

O aumento de 2% ocorre em relação ao assassinato de mulheres negras, as quais foram 2.468 mil vítimas no ano de 2019 contra 2.419 mil em 2009. De acordo com a pesquisadora e professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Lidiany Cavalcante, vários fatores contribuem para tais estatísticas. “Os traços culturais e históricos assegurados pela misoginia, patriarcalismo e racismo fomentam muitos crimes na realidade brasileira”, pontua a especialista.

A professora ressalta que dentre as vítimas as mulheres negras são alvos mais vulneráveis, não apenas entre mulheres cissexuais, como também entre as mulheres transexuais. Rastros da violência que, segundo Cavalcante, foi intensificada durante o isolamento social. “Com a pandemia, a violência contra as mulheres aumentou consideravelmente, visto o processo de distanciamento e isolamento, muitas ficaram mais tempo vulneráveis, principalmente frente a parceiros e ex-parceiros”, relembra.

Mais de 50 mil mulheres negras foram mortas pelos companheiros nos últimos dez anos (Reprodução/Internet)

Subnotificação

A soma desses casos retratam o que ela intitula como “catástrofe silenciosa”, isso porque, segundo Lidiany, se os inquéritos policiais não apontarem a perspectiva de feminicídio isso dificultará o trabalho do Ministério Público. A advogada, jornalista e integrante do Movimento Negro de Manaus, Luciana Santos, também expressa uma análise que vai de encontro ao posicionamento da pesquisadora Lidiane.

“Se a gente for pegar não só feminicídios, mas a violência contra a mulher em geral, os casos voltados contra as negras são superiores em relação às brancas e amarelas. Esses números são indicativos, mas não a realidade total, pois muitas vezes o registro da cor da vítima no Boletim de Ocorrência não é feito corretamente. Isso é um comum nas delegacias de todos os Estados”, dispara Luciana.

Quando se trata de violência contra a mulher negra, a ativista atenta que não é possível desvincular gênero, raça e classe social, que por serem questões relacionadas, juntas potencializam a chance da mulher negra ser incluída como uma das maiores vítimas de violência que resulta em morte.

“Considerada uma das partes mais vulneráveis da população, mulheres negras são as maiores vítimas justamente porque estão na base da pirâmide. Vulneráveis por simplesmente serem mulheres, por serem negras e automaticamente passando por situações de racismo. Quanto mais pobre, mais suscetível ela vai estar à margem da proteção do estado”, declara Luciana.

Em 2020, duas em cada três vítimas de feminicídio eram mulheres negras (Reprodução/Getty Images)

Especificidades

A advogada aproveita para pontuar sobre vulnerabilidades específicas e como as leis precisam estar preparadas e formuladas para entender estas demandas. Ela cita como exemplo a Lei Maria da Penha, que completou 15 anos em agosto. A lei é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma das três legislações mais avançadas do mundo no combate aos crimes contra as mulheres.

“A Maria da Penha é uma das melhores legislações do mundo, mas será que ela consegue abranger todas as necessidades das mulheres negras e também indígenas? Pois elas têm certas especificidades que não as mesmas se você pensar numa mulher branca, de classe média alta. Temos que pensar como as políticas públicas estão sendo feitas, e talvez precise voltar um pouco mais a essas minorias”, explica a ativista.

Caso Geordana

A morte da jovem Geordana Nataly Sales, de apenas 20 anos, morta a facadas na madrugada de 1º de setembro, no município de Ananindeua, no Pará, é um exemplo que integra a lista de mulheres negras que tiveram a vida brutalmente ceifada.

O crime aconteceu durante a madrugada e, segundo informações, o ex-namorado de Geoardana, identificado como Lúcio Magno Quadros, não aceitava o fim do relacionamento de quatro anos. No momento do encontro, ele teria desferido as facadas contra Geordana. Magno foi preso em flagrante pela Polícia Civil do Pará no mesmo dia em que cometeu o crime.

Geordana Nataly Sales, de apenas 20 anos, morta a facadas pelo ex-namorado (Reprodução/Internet)

Dados

Ainda segundo o Atlas da Violência 2021, em dez anos, o percentual de possíveis assassinatos contra mulheres brancas, amarelas e indígenas diminuiu 26,9% no período, apresentando uma queda de 1.636 para 1.196 casos. Dados do 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam que, em 2020, duas em cada três vítimas de feminicídio eram mulheres negras, o que representou 61,8% das mortes, seguidas de 36,5% brancas, 0,9% amarelas e 0,9% indígenas. 

Vale ressaltar que os dados do ano de 2020 abordam o quantitativo de notificações oficiais de violência contra meninas e mulheres durante o período da pandemia de Covid-19. Na ocasião, o Estado do Mato Grosso era primeiro do ranking, com média de 3,6 mortes a cada 100 mil mulheres; seguido de Roraima e Mato Grosso do Sul, com três feminicídios por 100 mil mulheres.

As menores taxas ficaram com o Distrito Federal, que apresentou 0,4 mortes por 100 mil; seguido do Rio Grande do Norte, com 0,7 por 100 mil; São Paulo e Amazonas, com 0,8 mortes a cada 100 mil mulheres. Segundo dados publicados na página oficial da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas, (SSP), de janeiro até julho deste ano, cinco casos de feminicídios foram cometidos em Manaus, porém, os dados não especificaram quantas vítimas seriam ou não negras.