Especialistas da Amazônia analisam discurso inconstitucional de Bolsonaro

Bolsonaro discursa a apoiadores na Avenida Paulista, nesta terça-feira, 7 (Reprodução/CNN)

08 de setembro de 2021

09:09

Bruno Pacheco e Jakeline Xavier – Da Cenarium

MANAUS – Após o discurso do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para apoiadores na tarde desta terça-feira, 7, na Avenida Paulista, em São Paulo, especialistas em Direitos Humanos e da área jurídica da Amazônia classificaram a fala do chefe do Executivo como mais uma ameaça autoritária e inconstitucional, que reforça o método e narrativa que ele costuma empregar quando tem as pautas ou interesses contrariados pelos demais poderes.

Em pronunciamento, Bolsonaro cita em tom ameaçador o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e diz que “ou o ministro se enquadra ou ele pede pra sair”. O presidente diz ainda que não vai mais aceitar interferências da Corte Suprema e a realização das eleições sem o voto impresso. Na análise do advogado e professor em Manaus Juan Pablo, mestre em Direito Ambiental e doutorando na Universidade de Coimbra, as ameaças do presidente ao Supremo podem prejudicá-lo juridicamente e serem enquadradas como prática de crime de responsabilidade.

“Me parece bem claro a prática de novo crime de responsabilidade, nos termos do art. 4, II que trata do livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes Constitucionais dos Estados, bem como do Inciso IV que fala da segurança interna do País”, explicou o advogado.

“A fala do presidente Bolsonaro infelizmente não traz nenhuma novidade e reforça o método e narrativa que ele costuma empregar quando suas pautas ou interesses são contrariados pelos demais poderes. Difícil até analisar em uma perspectiva estritamente legal, pois a ordem do discurso desse grupo funciona numa lógica de paralegalidade, ou pós-verdade como alguns costumam chamar, prega para convertidos e adota um dicionário próprio e bem peculiar”, comentou Juan Pablo.

O advogado destaca que, praticamente, todo sistema político-jurídico ocidental funciona com base na conhecida fórmula (consagrada com Montesquieu) de separação entre poderes independentes e harmônicos entre si, numa dinâmica de freios e contrapesos (check and balances), de modo que o Executivo, Legislativo e Judiciário não atentem ou se apropriem da estrutura de Estado em detrimento dos demais.

“Apesar das falas inflamadas e do alegado pelo presidente e seus seguidores, não há nenhum indício de ilegalidade recente no atuar dos ministros do Supremo, seja dos membros do Legislativo quanto aos temas que insistentemente movimentados pela trupe bolsonarista: voto impresso, abusos no exercício da liberdade de expressão”, reforçou.

Juan finaliza salientando o que ele observa diariamente: “O que vemos todo dia são sistemáticos crimes de responsabilidade praticados pelo presidente como nunca se viu na história democrática recente do País, inclusive, atentando contra o livre exercício dos demais poderes, ainda mais quando é preciso, me parece, fazer alguma cortina de fumaça diante da crise política, social, econômica e sanitária que vivemos. Resta saber como agora o Legislativo e o Judiciário vão responder às novas bravatas, ‘politicamente’, deixando a poeira baixar e esperando a normalidade ser retomada em 2022, algo como o que está se vendo nos EUA pós-Trump, ou aplicando o direito com rigor contra o presidente e seus apoiadores”, concluiu.

Inconstitucionalidade

O professor doutor Manuel do Carmo, representante da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CTP) da Arquidiocese de Manaus, classifica o discurso presidencial como uma ameaça autoritária e inconstitucional.

“Sua fala de convocação do Conselho Nacional Brasileiro é inconstitucional, porque quem está provocando o caos no país é o próprio presidente, especialmente no tratamento dado ao combate à pandemia e à questão econômica do País”, analisa.

Para ele, a convocação do Conselho Nacional por parte de quem vem provocando a desordem social, econômica, política e antropológica seria apenas para pôr ordem no próprio governo Bolsonaro.

“E não é isso que ele quer. As instituições de bem e da justiça saberão como conduzir. Ele não tem apoio da população e nem das forças armadas para medidas se pretende dar um golpe no País”, disse.

“O presidente que não consegue governar o Brasil, porque deu e continua dando as costas para os desafios e anseios da maioria do povo brasileiro, da democracia com medidas econômicas, sociais que beneficiam o grande capital”, acrescentou.

Conduta

O advogado Serafim Taveira, presidente da Comissão da Agricultura Familiar, Agroextrativismo e Pesca da OAB/AM e diretor regional da Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil, afirma que a conduta de qualquer chefe de Poder que desrespeite a Constituição Federal de 1988 é passível de investigação, julgamento e posterior punição com o impeachment. No entanto, diante das manifestações desta terça-feira, 7, por todo o País, Taveira comenta que não há clima para a destituição de Bolsonaro.

“Diante das manifestações de 7 de setembro não há clima para impeachment, mas se o 12 de setembro for estrondosamente superior em número de manifestantes, a questão muda de contexto e com certeza os demais Poderes poderão aproveitar para apresentar os pedidos de impeachment já existentes. Quanto a ação de desrespeitar a Constituição Federal no sentido da tentativa de algum golpe de Estado, quem tiver mais força e apoio popular e parlamentar, vencerá”, destaca Taveira.

Para o advogado, é preciso aguardar as manifestações de 12 de setembro, que representarão a parcela da população que é contrária ao presidente Bolsonaro. “Até lá, teremos amanhã a convocação do Conselho da República que difere do Conselho de Defesa e que é composto justamente pelos chefes de cada Poder constituído. Penso que o presidente chegará na reunião de amanhã com um trunfo muito grande vindo do apoio recebido nas ruas”, comentou.

Discursos

Serafim Taveira lembra dos dois discursos proferidos pelo presidente nesta terça-feira, 7: o primeiro ocorreu pela manhã, em Brasília, e o segundo à tarde, na Avenida Paulista. Para o advogado, nos dois momentos ficou claro que Bolsonaro e sua equipe de generais reitera que está seguindo o que aprendeu na vida militar e ressalta que o juramento voltado à defesa da pátria ainda é válido e não foi esquecido.

“Os dois discursos foram bem contundentes e claros sob todos os aspectos, além de ser um caminho sem retorno, parecendo aquela ação do almirante que dá a ordem para que a nau seja queimada e com isso obriga os seus homens lutarem pela vida contra os oponentes que estão em terra. Acredito que essa é a única ruptura que veremos até 2022, a ruptura da postura passiva do presidente Jair Bolsonaro contra as ações do STF. Contudo, prefiro não interpretar que os presidentes de cada Poder constituído vivem de ameaças ou de ameaçar os outros, mas sim como marcação de posição na defesa dos interesses de cada instituição.

Sem harmonia entre os poderes

O especialista jurídico e advogado no Estado do Pará Euthiciano Muniz não acredita que o discurso do presidente Jair Bolsonaro seja uma ameaça ao STF.

“Ameaça eu entendo os ataques do STF à nossa Constituição. Eles, que são os defensores dela, ao aplicarem suas teses de forma contrária ao texto expresso, ameaçam nossa República e os demais poderes”, disse.

Segundo o advogado, não há, de forma alguma, harmonia entre os poderes e isso tem atrapalhado os planos do Governo Federal.

“Não entendo como ameaça o que o presidente da República falou, mas que eles (integrantes do STF) se sintam ameaçados e procurem ocupar o lugar que a Constituição Federal lhes destina”, afirmou.