Especialistas explicam porque há pessoas que negam o perigo e a existência do novo Coronavírus

No mundo dos negacionistas, qualquer um pode ser inimigo, basta que para isso, apresente qualquer traço discordante, como a agressora que partiu para cima de enfermeiros que protestavam por melhores condições de trabalho ante a pandemia (Reprodução/Brasil de Fato)

18 de maio de 2020

18:05

Mencius Melo – da Revista Cenarium

Com pandemia provocada pelo novo Coronavírus, a necessidade de isolamento social, para conter o avanço da epidemia, pegou a população de surpresa e muitos se recusam a seguir as normas e protocolos do Ministério da Saúde. São diários os exemplos de pessoas que se recusam a usar a máscara, se recusam a sair das ruas e se recusam a aceitar a presença do vírus, mesmo diante dos números alarmantes da doença. O Amazonas registrou quase 21 mil casos de Covid-19 nesta terça-feira, 18.

Mas, por quê? Por que, mesmo com a presença da ciência, dos relatos e dos fatos, pessoas negam a existência ou simplesmente não acreditam no vírus?

Esse comportamento, conhecido como ‘negacionista’, tem explicação. Segundo a psicóloga Neyla Siqueira, “esse processo de negação tem a ver com o luto, com perdas. É um processo natural, reconhecemos isso, inclusive, como a primeira fase do luto”.

“Porém, quando se trata de proporções muito maiores, o negacionismo tem impacto no processo coletivo, com a recusa de fatos e evidências, que acaba por colocar todo mundo em risco”, alertou a psicóloga.

“Na psicologia social, podemos entender isso como a negação daquilo que não me convém, que me tira da zona de conforto e se anterior a pandemia, eu tinha uma rotina e de repente eu tive que mudar isso, eu socialmente nego essa mudança”, apontou Neyla.

Terra plana, Cloroquina, antivacinas, militarismo democrático, conspiração chinesa do Coronavírus, comunismo e caixões enterrados com pedras… cabe tudo na enciclopédia virulenta da desinformação negacionista (Reprodução/Internet)

Efeito manada e raciocínio motivado

A profissional chama atenção para a realidade brasileira. “O que estamos vendo hoje é que pessoas começam a negar a realidade, em respeito ao princípio do agrupamento social por identificação. Se os meus pares negam, logo eu vou negar também”, observou.

“É o chamado ‘efeito manada’ onde a pessoa nega, abstrai e renega porque os seus pares pensam da mesma forma”, “É a teoria do ‘raciocínio motivado’, onde uma liderança exerce o papel de motivador, logo eu tenho a mesma ação”, resumiu.

A psicóloga explicou que esses líderes podem ser políticos, religiosos ou até mesmo comunitários e podem exercer grande influência sobre a população.

“Esses líderes políticos como governadores, presidente, líderes religiosos como padres e pastores, e até as lideranças comunitárias como médicos, agentes de saúde e por aí vai…”, elencou. Ela chama atenção para outro detalhe. “O Brasil está polarizado e no meio disso está a ciência, que não é ‘coxinha’ e nem ‘mortadela’ (esquerda ou direita) e quando um diz que é a favor, o outro diz que é contra com unhas e dentes”, contextualizou.

“Agora por ter que ter uma opinião, você se coloca contra a ciência? É complicado. É como o ‘zé da esquina’ querer questionar os anos de pesquisa de um virologista”, ironizou.

Conceitos de classe

Para Neyla, é preciso entender ‘conceitos de classe’ e como ocorrem essas interações. “O negacionismo está presente em todo as classes, não nega só quem é pobre ou não tem acesso à cultura, o problema é que os efeitos devastadores atingem os mais vulneráveis, ou seja: os pobres”.

“É muito fácil para determinado apresentador de TV, morador da Ponta Negra, balançar bandeira contra o isolamento social e logo em seguida ficar doente e postar uma foto com todo um aparato médico, tendo uma equipe de fisioterapia particular. E o pobre que ele incentivou?”, indagou.

Para concluir Neyla Siqueira chamou atenção para um detalhe. “Naturalmente, o ser humano precisa ser conduzido, por mais ser pensante que sejamos, precisamos de uma liderança”, observou. “Mas, que tipo de liderança estamos seguindo?”, questionou.

“Se a liderança tem uma postura negacionista, grande parte da população também terá essa mesma postura e por mais que não seja a maioria, essa parcela (os negacionistas), ajuda a emperrar o processo de superação dessa crise”, finalizou.       

Ascensão da extrema direita

Para o sociólogo Luiz Antônio, o negacionismo tem a ver com a ascensão da extrema direita. “Com a ascensão da extrema direita, posturas que antes eram motivo de vergonha, passaram a ser defendidas publicamente, através das caixas de ressonância que são os pastores, bispos, padres e presidente”, explicou.

Ainda segundo o profissional, muitos dos que negam, têm uma característica. “São pessoas que se agarram a valores e ideias de um campo de pensamento que não resistem a primeira provação, é como o ateu que no primeiro balançar do avião, clama por Deus”, comparou.

Ainda segundo Luiz Antônio, a negação também serve a um projeto de poder. “O negacionismo tem um papel, muito bem planejado, que no caso do Brasil de hoje, é derrubar as estruturas que protegem o Estado Brasileiro”, falou chamando atenção.

“Nossos patrimônios como as universidades e os centros de pesquisa, todos estão sob a mira do negacionismo e quando você invalida a ciência, você diz que as universidades não tem serventia e com isso você abre as portas para a privatização”, resumiu.

Negar a negação

Como receita para se combater, o sociólogo indica que o primeiro passo é denunciar os riscos que o negacionismo provoca. “O negacionismo levou as pessoas à fogueira na idade média, quando você abre mão da ciência você bota a vida das pessoas em risco”, explicou.

“Estamos falando de verdades e quando eu digo que Deus existe, eu não tenho como provar, mas, essa é uma verdade religiosa, quando eu digo que os piscianos são mais sensíveis, essa é uma verdade exotérica, eu não tenho como provar, mas, quando eu digo que a água levada a uma determinada temperatura, vira gelo, isso eu tenho como provar! Isso então meu amigo, é ciência”, finalizou o Luiz Antônio.

O mostro da mitologia grega, conhecido como Procusto, decepava as pernas de suas vítimas para que coubessem milimetricamente em sua cama, ou a esticava para o mesmo fim. Sua simbologia hoje é a da intolerância

Procusto explica

Procusto ou Procrustes é um personagem da mitologia grega, que simboliza a negação da ciência e a relativização de vidas humanas. Ele vivia na serra de Elêusis, que em sua casa tinha uma cama de ferro, com o seu exato tamanho, para onde convidava os viajantes a se deitarem.

Se os hóspedes fossem altos, ele os decepava para ajustá-los à cama e os de pequena estatura eram esticados até atingirem o tamanho suficiente. O nome Procusto significa “o esticador”, em referência a punição que aplicava às suas vítimas e dizia a elas: “Se você se destacar, cortarei seus pés. Se você demonstrar ser melhor que eu, cortarei sua cabeça.”

O seu reinado de terror terminou quando foi capturado pelo herói ateniense Teseu, que o prendeu em sua própria cama e cortou-lhe a cabeça e os pés, aplicando-lhe a mesma crueldade que infligia aos seus hóspedes. Esse mito deu origem a ‘Síndrome de Procusto’. Que é uma conduta que destrói quem é mais preparado e inteligente, por mera arrogância e estupidez.