‘Fica difícil atender comunidades mais distantes’; reflexos do aumento no preço dos combustíveis na Amazônia

O aumento do combustível não se resume a preço; os efeitos também são sociais. (Jeff Pachoud/ AFP)

13 de janeiro de 2022

09:01

Nauzila Campos – Da Revista Cenarium

MANAUS — “O pior de tudo é que as plataformas não ajustam o valor repassado para o motorista. Estamos recebendo a mesma coisa de quatro anos atrás”, desabafa a autônoma Gleyde Lima, cadastrada na Uber e integrante do Movimento da Liderança dos Motoristas de Aplicativos em Manaus. A pressão em cima da categoria vem das bombas de combustíveis que não param de mostrar preços mais elevados periodicamente. Só em 2021, somando todo o acúmulo de aumentos praticados ao longo do ano, os preços da gasolina e diesel subiram mais de 44%; o gás de cozinha, 33%, e o GNV, 36%. Os dados são da Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP).

Veja também: Petrobras anuncia novo preço da gasolina e do diesel a partir desta quarta-feira

Na Amazônia, com suas peculiaridades entre os Estados e a logística que já encarece, por si, transporte e distribuição, os impactos vão além do peso no bolso. Como disse a motorista de aplicativo no início da reportagem, “todo aumento de combustível afeta diretamente nossa categoria, quando aumenta a gasolina aumenta os outros também: álcool, GNV… hoje mesmo tivemos um aumento de 5% no GNV, estamos em terra sem lei. Nossa frota é de carros alugados, o pessoal não está aguentando pagar aluguel de carro, abastecer, ter que levar comida para casa… E quem tem carro próprio não consegue mais dar a manutenção adequada”, relatou Gleyde, que não acredita tanto na continuidade da Uber em Manaus a longo prazo como antes.

Impactos sociais

Do ponto de vista social, podem ser destacados dois pontos de significativo impacto na Amazônia com o aumento dos combustíveis. Primeiramente, considerando que a elevação do preço tem reação em cadeia e deixa mais caro todo tipo de produto, a cesta básica — que já não está barata — também encarece e aprofunda o problema da fome entre famílias mais pobres da Amazônia. De acordo com o cientista social e doutorando em Antropologia Social pela Ufam Natã Souza Lima, “Isso também vai pesar em produtos que são importados de outras regiões do País, assim como na produção regional. Pequenos produtores rurais da Amazônia ficarão com mais custos para escoamento de mercadorias. Junto de uma crise sanitária e das cheias, isso pode pesar muito nos interiores da Amazônia”.

Outro ponto que preocupa os estudiosos é a manutenção de projetos sociais na Amazônia, tão necessários durante o período de pandemia. Nos caminhos de interiores e comunidades ribeirinhas, o uso do barco é indispensável e os rios são as estradas. “O combustível é essencial para acesso às comunidades. Tanto o Estado quanto organizações da sociedade civil têm custos com deslocamento para levar agentes sociais, de saúde, programas com educação e treinamento. Em 2021, muitas organizações sofreram com impactos dos aumentos de gasolina sobre seus orçamentos. Com isso, se torna mais difícil (pois mais caro) atender comunidades mais distantes na Amazônia”, afirma o cientista Natã.

Justificativas — ou não — para o aumento

Em nota, a Petrobras justificou o aumento como necessário para “garantir que o mercado siga sendo suprido em bases econômicas e sem riscos de desabastecimento pelos diferentes atores responsáveis pelo atendimento às diversas regiões brasileiras: distribuidores, importadores e outros produtores, além da Petrobras”.

O Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo, Lubrificantes, Álcoois, e Gás Natural do Estado do Amazonas (Sindicombustíveis) divulgou nota a respeito da prática de preços a nível local. “O Sindicato não interfere nos preços dos combustíveis e na administração dos postos, por esse motivo não conseguimos informar o valor do reajuste que será repassado ao consumidor final”, tirando qualquer influência de donos de postos no reajuste. A nota segue:

“Ressaltamos que o mercado é livre e competitivo em todos os segmentos, cabendo a cada distribuidora e posto decidir qual será seu preço final, de acordo com suas estruturas de custo.

O preço final ao consumidor varia em função de múltiplos fatores como: carga tributária (municipal, estadual, federal), concorrência com outros postos na mesma região e a estrutura de custos de cada posto (encargos trabalhistas, frete, volume movimentado, margem de lucro etc.)”

Em discurso similar, o governo federal diz não ter nenhuma relação com o aumento e que não pode fazer nada. O presidente Jair Bolsonaro apenas afirmou à imprensa que “o combustível encareceu no mundo todo”.

Ao contrário do que dizem as representações, subsídios e isenções emergenciais em diferentes esferas de governo podem fazer a diferença na equação econômica. É o que lembra o antropólogo Natã: “segurando um pouco taxas estaduais sobre combustíveis, criando apoios emergenciais para produtores rurais, por exemplo. Os programas sociais também podem amortecer os impactos sobre famílias em condições de pobreza. Contudo, o cenário que o governo federal cria não gera condições de que os Estados consigam contornar completamente o cenário de crise. A inflação acima de 10%, o enfraquecimento político do governo federal, um programa econômico desastroso para classe média e pobres, tendem a tornar limitadas as possibilidades de minimização de danos”, conclui.