Filhos da pátria: vulneráveis, abandonados e excluídos da sociedade

Moradores usam cobertura de estrutura metálica na Praça da Saudade, como abrigo. (Revista Cenarium/Ricardo Oliveira)

07 de setembro de 2020

19:09

Náferson Cruz – Da Revista Cenarium

MANAUS – De dia perambulam pelas ruas, descalços e maltrapilhos em busca de dinheiro para se manter. À noite dormem debaixo de viadutos, pontes e nas praças, juntando o pouco que arrecadaram durante o dia. Quando não conseguem sensibilizar as pessoas passam a furtar e se entregam ao tráfico e às drogas. Apesar de incômodas, as suas presenças já são parte do cenário cultural do País.

Nesta segunda-feira, 7, data de celebração da Independência do Brasil, a REVISTA CENARIUM evidencia o decadente retrato da exclusão social de uma imensa parcela da sociedade brasileira, abandonada pela pátria ‘mãe gentil’.

Entregues ao abandono, crianças, jovens e adultos se debruçam na esperança de terem uma vida mais digna. Esse é o anseio de ‘Marcos’ *, de 30 anos. Ele já está há três meses longe de casa. Disse que um dia pretende voltar para o seu lar, mas, por enquanto, prefere ficar da rua.

Marcos foi parar nas ruas, após um desentendimento com o irmão na casa dos pais, no bairro de Petrópolis, zona Sul de Manaus. “Depois da confusão com meu irmão saí de casa e, logo em seguida, perdi meu emprego na fábrica. Agora estou vivendo de ‘bico’. De vez em quando aparece alguma coisa para fazer e, assim, vou me mantendo”, contou Marcos, enquanto lia o jornal, deitado em um colchão estirado no interior de um box fixado na Praça 5 de Setembro, também conhecida como ‘Praça da Saudade’, no Centro de Manaus.

Sem oportunidade no mercado de trabalho, Ednaldo e Jorge vivem de gorjetas por serviços prestados. (Revista Cenarium/Ricardo Oliveira)

Deitados sobre os colchões, os companheiros de Marcos, Ednaldo Lima*, 41, e Jorge Helen*, 17, relataram que estão a pouco tempo no local. “Estou aqui por falta de oportunidade, tinha emprego após minha demissão não tive como pagar aluguel. As coisas ficaram difíceis não tinha de onde tirar e cheguei nessa situação”, disse Ednaldo.

O adolescente Jorge Helen conta que não suportou mais ser espancado pelos pais e fugiu de casa. “Ele chegava bêbado e discutia com minha mãe e, às vezes, batia nela também, quando não era eu quem apanhava”, lembrou emocionado o adolescente.

Deitado, apenas com o semblante pálido a mostra, Carlos Albuquerque, 28 anos, disse que ele e os colegas estão na rua por falta de oportunidade. “Quando eu conseguir uma boa margem de lucro com os ‘bicos’ que faço, volto para casa no bairro Grande Vitória. Meus pais são pobres e não têm como comprar comida. O jeito é conseguir pela rua”, ressalta.

O relato de Carlos comprova a pesquisa feita pelo Índice de Desenvolvimento da Educação de São Paulo (Idesp). Ela aponta que 59% moradores de rua no país, tem para onde voltar, mas buscam foram de casa um modo para ganhar dinheiro, por meio de esmolas e venda de produtos. Em Manaus, a população de moradores de rua, conforme levantamento feito em 2019, está estimada em 1.289 pessoas (dados da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania – Sejusc).

Mais de 100 mil vivendo nas ruas

Uma recente pesquisa publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base em dados de 2015 projetou que o Brasil tem pouco mais de 100 mil pessoas vivendo nas ruas. O Texto para Discussão Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil aponta que os grandes municípios abrigavam, naquele ano, a maior parte dessa população. Das 101.854 pessoas em situação de rua, 40,1% estavam em municípios com mais de 900 mil habitantes e 77,02% habitavam municípios com mais de 100 mil pessoas. Já nos municípios menores, com até 10 mil habitantes, a porcentagem era bem menor: apenas 6,63%.

Falta de política pública eficaz

O sociólogo Geandro Pantoja ressalta que é cada vez mais comum a presença de crianças, jovens e adultos nas esquinas e praças. “Esse cenário é resultante da insuficiência ou ineficiência de políticas públicas voltadas para estas pessoas, geração de renda e inclusão social, como educação, esportes e arte são fundamentais, porém, falta responsabilidade dos governantes em aplicar recursos de forma correta, somente assim teremos uma pátria tão sonhada por todos nós”, comenta.

Pantoja salienta que a convivência de rua propicia a vulnerabilidade social perante o tráfico e consumo de drogas, crime organizado, exploração do trabalho, doenças sexualmente transmissíveis e outras mazelas.

“O cidadão que se depara com pedintes ou vendedores, em vez de dar esmolas – o que os incentiva a continuar nas ruas – deveria denunciar às autoridades competentes ou quando possível orientá-lo a procurar o caminho certo. Essa gente é brasileira, o que falta é dar oportunidade a essas pessoas”, finaliza o sociólogo.  

(*) nomes fictícios