Fogo é ‘arma’ do agronegócio no desmatamento, indica dossiê

Imagem da devastação causada no Pantanal em 2020 (Reprodução/Secom-MT)

16 de abril de 2021

12:04

Marcela Leiros

MANAUS – O fogo é utilizado para encobrir a invasão de terras públicas, crimes ambientais e ainda finalizar o processo de desmatamento em territórios que servem para pastagens ou monocultura. Essa é a conclusão do “Dossiê Agro é Fogo: grilagens, desmatamento e incêndios na Amazônia, Cerrado e Pantanal”, lançado na quarta-feira, 14, pela Articulação Agro é Fogo, que indicou ainda como a presidência do País e o parlamento têm legislado em favor do agronegócio.

Além desses pontos, o documento mostra também como fundos de pensão internacionais, como o Teachers Insurance and Annuity Association of America – Traduzido do inglês, Associação de Seguro e Renda para Professores do America – College Retirement Equities Fund (TIAA-CREF) e o fundo de investimentos da Universidade de Harvard (Havard Management Co.), adquirem ilegalmente centenas de milhares de hectares de terras agrícolas no País, ocasionando a expulsão violenta de comunidades tradicionais e rurais, o desmatamento, incêndios e outros danos sociais e ambientais.

A violação de direitos humanos na exploração do trabalho escravo – relacionados à grilagem, desmatamento e saqueio de madeira -, e como as comunidades tradicionais da Amazônia e Cerrado utilizam o fogo em complexos sistemas de produção de roças, criação animal e extrativismo, contradizendo acusações de que povos indígenas e comunidades tradicionais fazem uso do fogo de forma indiscriminada e descontrolada, são outros dois pontos dissecados no dossiê.

Arco do desmatamento

De acordo com o Dossiê “Agro é Fogo”, a grilagem de terras consiste em duas fases interligadas: a apropriação da terra “no chão” (a invasão e o controle ilegais de terras públicas) e a atribuição de aparência de legalidade “no papel” (a parte mais burocrática).

Dados mostram que entre 1985 e 2019, 90% do desmatamento no Brasil ocorreu para a abertura de área de pastagens e monocultivos e 10% para outros usos, segundo dados do Dossiê. Assim de 2000 a 2014, mais de 80% da expansão da soja no Cerrado do Centro-Oeste foi sobre áreas de pastagem e outras culturas, impulsionando o avanço de áreas de pastagens sobre a floresta amazônica – em especial no Norte do Mato Grosso e Sul do Pará.

As rodovias que conectam o Brasil Central à Amazônia acabam sendo eixos centrais desse movimento. A Belém-Brasília (BR-153) e a Cuiabá-Porto Velho (BR-364), ambas obras do Governo Juscelino Kubistchek (JK), são consideradas marcos da Constituição, a partir da década de 1960, do chamado “arco do desmatamento” – região composta por 256 municípios na qual a destruição da floresta historicamente se concentra e onde se costumavam focar as políticas públicas de combate ao desmatamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Avanço no desmatamento para as práticas de pastagem e agricultura no Brasil, de 1985 a 2019 (Reprodução/Dossiê Agro é Fogo)

A região vai do Oeste do Maranhão, Sul e Sudoeste do Pará, passando pelo Norte do Mato Grosso, Rondônia e Acre, uma faixa localizada justamente ao longo da área de transição Cerrado-Amazônia. E como desmatamento e grilagem caminham juntos, a transição Cerrado-Amazônia é também a região de maior intensidade de conflitos no campo no País.

Além desse arco mais consolidado de desmatamento, a expansão da fronteira agrícola sobre a Amazônia tem se aproveitado da mesma BR-364 e de rodovias abertas durante o Regime Militar que avançam sobre o coração da floresta, como a BR-319 (Manaus-Porto Velho) – com projeto de repavimentação no atual programa público de infraestrutura – e a BR-163 (Cuiabá-Santarém) – que foi o palco principal do Dia do Fogo -, constituindo “novas flechas” de desmatamento.

Dinâmica da destruição

No mesmo período, a dinâmica de expansão da fronteira agrícola no Cerrado dentro do Matopiba – região formada por áreas majoritariamente de Cerrado nos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – foi distinta. Ali, nos chapadões que cobrem o Oeste da Bahia, Sul do Piauí e do Maranhão, na divisa com o Nordeste do Tocantins, o Cerrado é devastado para dar lugar a campos de soja: mais de 60% da ampliação da área de soja na região, entre 2000 e 2014, se deu por meio do desmatamento de vegetação nativa para a abertura de novas áreas.

Constituiu-se, assim, nas últimas décadas, um “arco do desmatamento” do Cerrado, em grande medida em sua porção localizada sobre e no entorno do Sistema Aquífero Urucuia-Bambuí, e associado à expansão da fronteira no Matopiba.

Mapa do ‘arco do desmatamento’ no Cerrado brasileiro (Reprodução/Dossiê Agro é Fogo)

Articulação ‘Agro é Fogo’

A Articulação “Agro é Fogo” reúne cerca de 30 movimentos, organizações e pastorais sociais que atuam há décadas na defesa da Amazônia, Cerrado e Pantanal e seus povos e comunidades, e surgiu como reação aos incêndios florestais que assolaram o Brasil nos últimos dois anos, como o Dia do Fogo, em 2019, e os incêndios que devastaram o Pantanal em 2020.

Segundo o Greenpeace – organização não governamental ambiental – durante os dias 10 e 11 de agosto de 2019, aconteceu no Pará o “Dia do Fogo”, quando produtores rurais da região se mobilizaram para atear fogo na Amazônia. Em 2020, o Pantanal nos Estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul sofreu a maior devastação da história do bioma.

O governo mato-grossense afirmou que perícias realizadas na região dos incêndios constataram que foram provocados por ação humana, assim como no Mato Grosso do Sul, onde a Polícia Federal constatou que os incêndios começaram em quatro fazendas de grande porte em Corumbá, no interior do Estado.