Há 2020 anos nascia Jesus em uma periferia para se tornar o maior defensor de princípios socialistas
25 de dezembro de 2020
12:12
Mencius Melo – Da Revista Cenarium
MANAUS – Um homem que nasceu, há mais de dois mil anos, num estábulo de uma cidade periférica. Se acompanhou de pastores, agricultores e pobres pescadores. Era adotado por um pai carpinteiro e uma mãe sem posses. Em suas andanças, distribuiu alimentos aos famintos, abraçou doentes, prostitutas, ladrões, homossexuais. Pregou sobre o papel do Estado e a não violência. Morreu como criminoso. Esse era Jesus.
Se trazido dos relatos bíblicos aos dias de hoje, o homem Jesus seria um socialista. No Brasil de Bolsonaro ou nos EUA de Trump, seria tratado como ‘inimigo’ do Estado ou um ‘energúmeno’ por se importar com os pobres. “Jesus é uma perspectiva emancipatória”, diz o sociólogo Luiz Antônio à REVISTA CENARIUM. “O Cristo virou um sujeito que não seria bem-vindo no Natal do século 21”, constatou o cientista.
“Em quais casas Cristo entraria e sentaria à mesa? Noventa por cento das casas ele não entraria. Ele diria: ‘Espera ai! Não é isso!’ Falei de comunhão! De servir ao outro! Como você faz uma festa dessa e teu vizinho não tem o que comer? Como você faz uma festa dessa e teus funcionários foram para casa sem receber os salários?”, questionou o sociólogo.
Um subversivo
Em um texto, uma das maiores lideranças da Igreja Católica no Brasil, Dom Helder Câmara sintetizou Jesus de Nazaré. “Gosto de pensar no Natal como um ato de subversão… Um menino pobre, uma mãe solteira, um pai adotivo… Quem assiste seu nascimento é a ralé da sociedade, os pastores”, descreveu Dom Helder sobre a natividade comemorada no dia 25 de dezembro.
No discurso ele continua: “É presenteado por gente de outras religiões, magos, astrólogos… A família tem que fugir e assim viram refugiados políticos. Depois voltam a viver na periferia. O resto a gente celebra na Páscoa… Mas com a mesma subversão… Sim! A revolução virá dos pobres! Só deles pode vir a salvação! Feliz Natal! Feliz subversão”, convocou o líder religioso.
A data citada por Dom Helder é a demarcação temporal do nascimento de um homem que posteriormente se tornou ‘deus’. A divinização alicerçada na trindade de ‘pai, filho e espírito santo’ não deixa dúvida sobre o caráter da imagem do santo Jesus. Porém, o deus foi homem e como homem viveu e morreu. Foi na periferia de um império que Jesus existiu.
Falácia socialista
No portal ‘ChurchPop’, o articulista Luiz Felipe Nanin critica a visão de um ‘Jesus socialista’. Em texto recheado de conceitos etéreos, Nanini aborda ‘um mundo dos céus’ para criticar aquilo que os socialistas veem em Jesus. “O ensinamento sobre ‘reino dos céus’ é incompatível com o reino proposto pelos marxistas que sonham com um reino da terra”, atacou confundindo marxismo com socialismo.
Errático, confuso, determinista e por vezes autoritário, Nanini mistura ‘alhos com bugalhos’, com uma pitada de antissemitismo. “O messias esperado pelos judeus traria uma libertação semelhante a esperada pelos socialistas. Vemos que Cristo é totalmente o oposto disso. A libertação de Cristo não é uma libertação materialista, mas sim espiritual”, sustentou o articulista.
Já o livro “Jesus, o maior socialista que já existiu”, de Jefferson Ramalho, não foi escrito para acadêmicos e cientistas. Foi escrito para aquelas pessoas que, mesmo quando se tornam cheias de cientificidade, fazem de tudo para não perder a simplicidade nas palavras, nos gestos e, sobretudo, no coração e na consciência.
A relação entre o pensamento e a ação de Jesus de Nazaré, personagem mais importante da história do ocidente, com uma proposta política, social e econômica da Modernidade, tem como objetivo fundamental demostrar o quinto os seus valores em comum são maiores que suas diferenças.
Para o cientista político Carlos Santiago, não precisa tanto para entender Jesus. “Jesus é apenas mais uma expressão de boas condutas na vida que a humanidade tem como referência pra adotar, com excelentes ideias pontuadas nas bem aventuranças, como por exemplo: ‘Felizes os que têm fome e sede de Justiça, porque serão saciados’, relembrou.
“As interpretações das escrituras bíblicas são diversas. O socialista afirma que é a premissa para uma sociedade sem exploração, igualitária. O capitalista diz que é a liberdade do homem e da fé para proporcionar bem-estar. Hoje, independentemente de ideologia política e econômica, muitos são mortos em nome de Jesus. Uma profunda distorção da ideia chamada Jesus Cristo”, lamentou.
Arqueologia de uma arquitetura
Data mais celebrada do cristianismo, o Natal chega em dezembro de 2020 como um evento que simboliza a capacidade que a religião cristã tem de se reinventar ao longo dos séculos. Mais que isso, mostra o poder de adaptação e incorporação da igreja católica há ‘tudo aquilo que se move’, em matéria de fé e humanidade.
Estabelecido a partir do nascimento de Jesus de Nazaré, um menino judeu, filhos de pais judeus em um reino ocupado pelo poderoso exército do império romano, a data incerta, ganhou contornos de calendário assim que o imperador Constantino tornou o cristianismo, religião oficial do estado romano no século IV.
Em sua existência milenar, Roma possuía festas ligadas às estações do ano e aos períodos de colheita agrícola. O reino da Judéia também possuía costumes de festas agrícolas e o milenar Chanukah (Festas da Luzes) que é a festividade judaica da retomada do templo de Jerusalém dos gregos helenistas. Esses eventos, acreditam historiadores, foram os primeiros elementos do Natal.
Idade média
Como a expansão do império Romano na Europa e o contanto com povos considerados ‘bárbaros’, fez-se necessário incorporar práticas e costumes para o controle dessas populações. E nada melhor que ‘assimilar culturas para silenciar o povo’, já dizia Paulo Freire. Assim, costumes celtas e tradições germânicas passaram a ser incorporadas ao Natal.
No mundo feudal, onde a propriedade da terra era a força motriz do poder e do controle das sociedades, as festividades ligadas à agricultura tiveram papel fundamental na concepção e manutenção do Natal. Acredita-se que daí vem o costume da ‘árvore de natal’, tradição herdada da cultura germânica.
Mas, é no capitalismo que o Natal ganhou contornos de festa do consumo. “O Natal até o início do século 20 foi uma festa religiosa. Era comemorado dentro da igreja e da irmandade, mas, foi a partir da Revolução Industrial (século 18) e sobretudo no pós-primeira guerra (1917), o capitalismo se apropriou da data”, descreveu o sociólogo Luiz Antônio.
Rádio, TV e Papai-Noel
Ainda de acordo com Luiz Antônio, a tecnologia ajudou a construir o Natal como o vemos hoje. “Os meios de comunicação, primeiramente o rádio e sobretudo a televisão nos anos 1950, o capital pôde apresentar os produtos que seriam ‘os presentes’ e assim nasce a indústria do negócio natalino e isso se espalhou para os quatro cantos do mundo”, observou.
Já a figura do Papai-Noel tem origem em São Nicolau, um bispo católico do século 4 que viveu onde hoje é a Turquia. O religioso é lembrado como um homem bondoso que presenteava crianças no dia de seu aniversário, 6 de dezembro. Com o passar do tempo a as mudanças e adaptações, a data acabou mudando para o 25 de dezembro.
Nos tempos atuais o figurino vem do frio. Um agasalho na cor vermelha que remete às tradições germânicas e nórdicas da Europa. Por questões de cismas, os protestantes passaram a utilizar o personagem do ‘bom velhinho’ em oposição à adoração dos presépios católicos. A fixação do vermelho veio de uma campanha publicitária da Coca-Cola.