Hapvida pressionou médicos a receitarem cloroquina para pacientes em Manaus, mostra áudio

Uma das unidades da Hapvida em Manaus (Divugação)

06 de outubro de 2021

15:10

Marcos Lima – Da Cenarium

MANAUS – Uma matéria divulgada pelo O Globo nesta quarta-feira, 6, mostrou que médicos da Hapvida em Manaus sofreram pressão da diretoria da empresa para prescreverem hidroxicloroquina a pacientes infectados pela Covid-19. Além disso, a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida como “Capitã Cloroquina”, também usou a Hapvida para embasar os argumentos de que o tratamento com remédios sem eficácia funcionaria em pacientes infectados pela doença na cidade.

Essa é a segunda operadora de saúde, usada por Mayra, para propagar o uso de hidroxicloroquina em unidades de saúde em Manaus. A primeira foi a Prevent Senior.

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Um áudio divulgado pelo O Globo mostra o diretor da Hapvida, Alexandre Wolkoff, falando que é preciso “subir a prescrição de cloroquina” nas unidades administradas pela rede de saúde. Ele menciona, especificamente, a capital amazonense.

“A gente tem uma luta muito grande nos próximos dias para aumentar consideravelmente a prescrição de cloroquina, o Kit Covid, para garantir que a gente tenha menos pacientes internados… eu peço para vocês. A liderança de cada unidade, a diretoria médica, os regionais precisam liderar isso. A gente precisa subir a prescrição de cloroquina. Então, eu peço que vocês… não é só para Manaus, só para uma unidade ou outra,  mas para todos as unidades, a gente tem que ter um aumento significativo da prescrição do Kit Covid. Cada diretor médico da unidade é diretamente responsável por esse indicador”, disse Wolkoff.

Além disso, um vídeo de julho do ano passado, também divulgado pela reportagem, mostra representantes do Ministério da Saúde, operadoras de saúde e planos médicos defendendo o “Kit Covid”. Na reunião, os envolvidos planejavam aumentar a aplicação do medicamento em pacientes de casos suspeitos ou não da Covid-19. Estavam presentes ainda a Capitã Cloroquina e o superintendente nacional da Hapvida, o médico cirurgião Anderson Nascimento, e representantes da Unimed Fortaleza e de conselhos de Medicina.

Pressão

Gravações mostram que a Hapvida pressionava seus médicos a prescreverem remédios ineficazes. A mesma prática foi adotada pela operadora Prevent Senior, segundo denúncias de ex-funcionários. Anderson Nascimento já havia trabalhado na Prevent Senior antes de ser contratado pela Hapvida.

No último dia 28 de setembro, a Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI) da Covid no Senado trouxe à tona mais esclarecimentos sobre o uso do protocolo de prescrever o tratamento precoce em unidades de saúde em Manaus. Desta vez, a descoberta foi que Mayra Pinheiro usou uma Nota Informativa, assinada por médicos da Prevent Senior, para justificar a prescrição dos remédios na capital amazonense.

Reunião

Com base no que chamou de “impressão clínica”, o executivo da Hapvida anunciou, na reunião, que estudos da operadora mostravam que pacientes submetidos a tais drogas tinham 60% menos chances de internação. “Depois da tomada de decisão e do desenho do protocolo, decidimos de uma forma pioneira distribuir Kit Covid. Chegamos a distribuir mais de 25 mil”, disse Nascimento durante a apresentação.

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Os dados vinham de experiências colhidas em hospitais de todo o País. Com quase quatro milhões de usuários em assistência médica, a Hapvida é o maior plano de saúde das regiões Norte e Nordeste, o que, segundo ele, levava a operadora a ter uma boa dimensão da evolução da doença. “A batalha é muito grande, mas acredito que estamos mais perto do fim do que do começo”, previu ainda o executivo da operadora.

Após ouvir a explanação de Nascimento, Mayra disse que o “exemplo” apresentado pela Hapvida a animava. “Aqueles que se negam a disponibilizar às pessoas um medicamento distribuído pelo Ministério da Saúde serão em breve cobrados pelo não exercício de cidadania, por improbidade e omissão de socorro”, afirmou a secretária, que, ao final, disse ter “orgulho” de fazer parte “desse time”.

Reunião com representante do Ministério da Saúde e Hapvida, em julho de 2020 (Reprodução/O Globo)

Hapvida em Manaus

Em julho de 2020, o número de infectados pelo coronavírus no País havia caído e a Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia divulgado estudos que descartavam a eficácia da hidroxicloroquina, um dos medicamentos do kit, composto ainda por ivermectina e azitromicina. Mesmo assim o remédio era distribuído de graça na Hapvida e os médicos pressionados a receitarem o medicamento aos pacientes que recusassem o tratamento.

Um comunicado compartilhado nas redes sociais e e-mail dos profissionais da operadora de saúde orientava que os médicos não deixassem de prescrever a hidroxicloroquina e ainda era recomendada a dosagem a ser prescrita aos pacientes. O medicamento era dado, gratuitamente, aos pacientes após uma doação da Fundação Ana Lima, que fazia parte do mesmo grupo empresarial da Hapvida.

Mensagens mostram orientações da Hapvida para o uso da cloroquina (Reprodução/O Globo)
E-mail enviado pela Hapvida, a profissionais, com a orientação sobre o tratamento com a cloroquina (Reprodução/O Globo)

Manaus

No Amazonas, a primeira onda da Covid-19 aconteceu nos meses de março, abril e maio. No mês de junho, os casos de pessoas infectadas começaram a diminuir. Mesmo assim, nas unidades da Hapvida da cidade, o kit continuava a ser recomendado aos pacientes, mesmo sem comprovação científica.

No mês de março deste ano, pacientes com suspeitas de estarem infectados com o coronavírus, já não recebiam a hidroxicloroquina gratuitamente na unidades da Hapvida de Manaus e o medicamento também não era receitado pelos médicos. As receitas constavam remédio para tratar os sintomas causados pelo vírus, como prednisona e prometazina.

Protocolo foi mudado após a segunda onda da Covid-19 no Amazonas

“Eu tomei os medicamentos receitados pelo médicos da Hapvida e funcionaram comigo. Eu fiquei recuperada do vírus. Depois fiquei com algumas sequelas, mas não dá para saber se foram dos medicamentos ou da própria Covid-19. Se me receitasse a cloroquina, eu tomaria também, já que não havia medicamento comprovado para o tratamento da Covid-19”, disse a dona de casa Vera Pereira de 60 anos.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou medicamentos para o tratamento de pessoas infectadas pelo coronavírus. O primeiro medicamento foi o remdesivir, em março deste ano. Mais cinco medicamentos são aprovados para o uso no tratamento: baricitinibe, regkirona (regdanvimabe), remdesivir, casirivimabe e imdevimabe e banlanivimabe e etesevimabe. Em análise estão: tofacitinibe e Sotrovimabe.

A assessoria da Hapvida, em Manaus, foi procurada para falar sobre o fato, mas não respondeu aos questionamentos.