Indígenas do Vale do Javari denunciam invasão de garimpeiros

Vídeos que mostram garimpeiros dançando com os indígenas foram divulgados pelos líderes (Reprodução/ Divulgação)

22 de abril de 2022

20:04

Ívina Garcia – Da Cenarium

MANAUS – “Eles estão temperando gasolina com água e dando para os parentes, para o parente beber a gasolina”. A denúncia é de Kadji Kanamary, presidente do Conselho Indígena Kanamary do Jutaí e Juruá (Cikajú), que relata a invasão de garimpeiros nas Terras Indígenas localizadas próximo a Atalaia do Norte, no Amazonas.

A invasão de garimpeiros na aldeia Jarinal foi relatada pelo presidente do Conselho, na última quarta-feira, 20, onde ele afirma que os moradores sofreram ameaças para que não divulgassem e denunciassem a presença dos garimpeiros no povoado. Ainda de acordo com Kadji, os homens estariam oferecendo álcool ao povo indígena, e assim que acabava a bebida, eles misturavam água e suco com gasolina e etanol para oferecer aos indígenas. Vídeos que mostram garimpeiros dançando com os indígenas foram divulgados pelos líderes.

Vídeo mostra garimpeiro dançando com indígena Kanamary (Divulgação/Arquivo Pessoal)

Em denúncia, a vice-presidente da Associação dos Kanamary Vale do Javari (Akavaja), Feliciana Rodrigues Kanamary, após tomar conhecimento sobre a situação dos aldeados, relata que entrou em contato com a chefe da Frente de Proteção do Vale do Javari, Idnilda Obando, e foi respondida apenas que “a cidade de Eirunepé tem CTL”, que seria Coordenação Técnica Local da Fundação Nacional do Índio (Funai). “Com essa resposta, só nos restou pedir ajuda ao Ministério Público Federal (MPF) e à Polícia Federal”, diz trecho do documento.

Tanto a Akavaja, quanto outras associações indígenas, denunciam as constantes ameaças e invasões, por parte de garimpeiros, em terras onde a mineração é ilegal. Ainda no documento, assinado por Feliciana, ela afirma que apesar das denúncias, nada é feito pela Funai, e relembra a promessa de uma barreira sanitária que nunca chegou.

“A Funai não se posiciona nessas situações. De acordo com o processo seletivo realizado pela Funai, no ano de 2021, a barreira do Jarinal era para estar funcionando, porém, a barreira não existe e está totalmente abandonada”, relata.

Em áudio, enviado nos grupos de lideranças indígenas, Kadji Kanamary pede ajuda dos povos indígenas e questiona o trabalho dos órgãos de proteção indígena. “Junta a equipe da Funai para vir aqui na aldeia Jarinal com o máximo de urgência. O garimpeiro está lá toda noite, todo dia, está lá na aldeia dos parentes. Cadê a Funai? Isso é muito ruim para nossos parentes da aldeia Jarinal”, conta.

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Insegurança

Com os garimpeiros dentro dos territórios indígenas, especialmente em um local como o Vale do Javari, onde está concentrada uma grande parcela de povos isolados, os moradores vivem uma sensação de insegurança e abandono.

“Estamos à mercê de doenças, devido à água contaminada, estamos à mercê do alcoolismo e drogas na aldeia, do desmatamento de nossas árvores, de nossa floresta, nossos líderes indígenas estão correndo o risco de manipulação política por parte dos garimpeiros, nossas jovens e mulheres indígenas estão correndo risco, o tempo todo, de abuso sexual, essa situação abre portas para a caça e a pesca ilegal dentro de nossos territórios, além de prováveis confrontos e mortes do povo de recente contato, Tyowuk Dyapah”, finaliza Feliciana.

Em contato com o Ministério Público Federal do Amazonas, sobre a denúncia relatada, a assessoria do órgão informou à CENARIUM que “está verificando com o gabinete que atua no caso para reunir e repassar as informações mais completas possíveis quanto antes”. A CENARIUM também tentou contato com a Funai e a Polícia Federal, citadas no documento-denúncia, mas até a publicação da matéria não houve resposta.

Invasão indígena

O relato dos Kanamary não é uma situação isolada. Ainda neste mês, outras duas invasões foram relatadas, uma em território Xipaia, no Pará, onde uma balsa de garimpo foi apreendida e sete pessoas levadas pela Polícia Federal, e outra que resultou na morte de dois Yanomami, do território Xitei, em Roraima.

Na primeira situação, a denúncia também foi feita por indígenas da etnia Xipaia, ao notarem a chegada do maquinário no território. Após o alerta, os órgãos de proteção ambiental realizaram buscas na sexta-feira, 15, dentro das reservas extrativistas Riozinho do Anfrísio e do Rio Iriri, mas só conseguiram localizar a máquina de extração ilegal na manhã do dia 16 de abril. Passado o período do flagrante, os policiais levaram cinco adultos e dois adolescentes até a sede da Polícia Federal, onde foram ouvidos e liberados.

Já no caso dos Yanomami, após a execução de dois indígenas, outros cinco ficaram feridos durante conflito entre os garimpeiros e indígenas da Comunidade Tirei. Após constatar a ocupação por garimpos ilegais, na região conhecida como Serra dos Surucucus, em Roraima, o Ministério Público Federal (MPF) protocolou, em 31 de março, um pedido à Justiça para que a União combata as ações na crise humanitária da Terra Indígena Yanomami (TIY).