Instituições e especialistas do AM dividem opiniões sobre ameaças de Braga Netto à democracia

O ministro da Defesa, general Braga Netto (Sergio Lima/AFP)

22 de julho de 2021

13:07

Priscilla Peixoto e Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS – A ameaça velada do ministro das Forças Armadas, Braga Netto, à realização das eleições em 2022 repercutiu entre os juristas, políticos e instituições federais no Amazonas. Uma reportagem do Estadão desta quinta-feira, 22, expôs o general, que afirmou “a quem interessar, diga que, se não tiver eleição auditável, não terá eleição”. Especialistas consultados pela CENARIUM defendem que Braga Netto responder por crime de responsabilidade.

De acordo com a especialista em Direito Eleitoral, Maria Benigno, o posicionamento de Braga Netto, configura uma ameaça e deve ter a devida atenção. “O que posso dizer é que a ‘ameaça’ não pode ser considerada como mera bravata e merece a repressão de acordo com a legislação, pois está ameaçando a própria democracia, base da nossa República. Se a ameaça viola a CF [Constituição Federal], o ministro e quem mais assim agir, como o próprio Presidente, está sujeito às consequências jurídicas, como por exemplo responder por crime de responsabilidade”, disse ela.

A ameaça de Braga Netto seria baseada em acusações do presidente Jair Bolsonaro (Sem partido) de que o voto eletrônico facilita fraudes. Na segunda-feira, 19, o chefe do executivo afirmou que desistiria da candidatura à reeleição em 2022 caso o Congresso Nacional não aprove o sistema de voto impresso auditável nas urnas eletrônicas. O presidente ainda afirmou ter provas de que houve fraudes nas eleições de 2014 – quando a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e o então senador Aécio Neves (PSDB) disputaram o cargo – e 2018 – quando ele venceu a disputa.

A responsabilização diante de uma ameaça à democracia mobilizou também autoridades policiais federais . Em uma rede social, o ex-superintendente da Polícia Federal (PF), delegado Alexandre Saraiva, se posicionou diante dos recentes acontecimentos. Saraiva lembrou que ações como a de Braga Netto podem ser configuradas como desordem e, portanto, suscetíveis a punições.

O delegado da Polícia Federal (PF) Alexandre Saraiva no Twitter (Reprodução/Twitter)

Defesa à democracia

A suposta afirmação do ministro da Defesa também repercutiu no Legislativo. O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PSL-AM), rebateu, por meio de um rede social, afirmando que “numa democracia não são os militares que dizem se tem e como tem eleição, quem faz é a CF [Constituição Federal]”. Ramos, que era da base do governo, se declarou oposição a Bolsonaro na semana passada após o presidente culpá-lo por pela aprovação de recursos da Lei de Diretrizes Orçamentárias para o Fundo Eleitoral no valor de R$ 5,7 bilhões.

Tweet do vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PSL-AM) (Reprodução/Twitter)

A CENARIUM entrou em contato com o Ministério Público Federal (MPF) sobre o posicionamento da instituição em relação à ameaça de Braga Netto. O órgão informou que “não se manifesta acerca de temas que podem ser objeto de futura representação”. Em nota, o MPF destacou ainda que “respostas decorrentes de fatos e não de especulações serão dadas no foro próprio e no momento oportuno”.

“Não terá eleição”

O Estadão publicou nesta quinta-feira que o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), teria recebido um recado do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, “para comunicar, a quem interessasse, que não haveria eleições em 2022, se não houvesse voto impresso e auditável”. Segundo a reportagem, ao dar o aviso, o ministro estaria acompanhado de chefes militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

O recado teria sido recebido no último dia 8 de julho. No mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro repetiu publicamente a ameaça de Braga Netto. “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, afirmou a apoiadores, naquele dia, na entrada do Palácio da Alvorada.

Em transmissão ao vivo nas redes sociais, no dia 6 de maio, o presidente já dizia, sem apresentar provas, que o atual sistema de urna eletrônica permite fraude. “Vai ter voto impresso em 2022 e ponto final. Não vou nem falar mais nada. (…) Se não tiver voto impresso, sinal de que não vai ter a eleição. Acho que o recado está dado”, afirmou Bolsonaro. O que não se sabia, àquela altura, é que o presidente contava com o apoio da cúpula militar para suas investidas autoritárias.

De acordo com o Estadão, “Lira considerou o recado dado por Braga Netto como uma ameaça de golpe e procurou Bolsonaro”. Os dois teriam tido uma longa conversa no Palácio da Alvorada. Ainda segundo a reportagem, o presidente da Câmara disse ao chefe do Executivo que não contasse com ele para qualquer ato de ruptura institucional.

Desinformação

Braga Netto negou ter feito qualquer tipo de ameaça voltada a realização das eleições de 2022 e ao voto impresso auditável. O esclarecimento foi feito logo após um evento no Ministério da Defesa na manhã desta quinta-feira.

“Hoje foi publicada uma reportagem que atribui a mim mensagens tentando criar uma narrativa sobre ameaça feitas por interlocutores a presidente de outro poder. O Ministro da Defesa não se comunica com os presidentes dos poderes por meio de interlocutores. Trata-se de mais uma desinformação para gerar instabilidade entre os poderes da República em um momento que exige a união nacional”, declarou Netto.

Na ocasião, o Ministro da Defesa, alegou que o debate sobre o voto eletrônico-auditável por meio de comprovante impresso é legítima e que estaria em análise pelo parlamento brasileira. “A discussão sobre o voto eletrônico-auditável por meio de comprovante impresso é legítima, defendida pelo governo federal e está sendo analisada pelo parlamento brasileiro, a quem compete decidir sobre o tema”, afirmou ministro.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também afirmou que a informação é “mentira”.