Ipê é uma das espécies de árvores mais vendidas no mercado ilegal de madeira na Amazônia

Pés de ipê florescem na Avenida Djalma Batista, em Manaus, uma das mais movimentadas da cidade (Semcom/ Divulgação)

29 de dezembro de 2020

14:12

Gabriel Abreu

MANAUS – Em parceria com o Ministério Público Federal (MPF), a Polícia Federal (PF) apreendeu na semana passada mais de 130 mil metros cúbicos de madeira retirada da floresta de forma ilegal. As mais de 43.700 toras foram desmatadas do Pará ao longo dos rios Mamuru e Arapiuns, em uma região que faz fronteira com o Amazonas, próximo de Parintins (a 369 quilômetros de Manaus).

O que chama a atenção do MPF é a quantidade de árvores da espécie ipê apreendida na operação, a espécie é a mais explorada da região amazônica, de acordo com dados consolidados da Operação Arquimedes. A árvore do ipê é alta, bem copada e, no período da floração, apresenta uma peculiaridade: fica totalmente desprovida de folhas e é a espécie mais contrabandeada pelo mercado ilegal de madeira que atua na Amazônia.

No final de novembro, o governo Bolsonaro retirou o ipê de uma lista internacional de proteção de espécies ameaçadas. Por causa da crescente exploração e venda ilegal, o ipê estava em uma lista de espécies ameaçadas da convenção sobre o comércio internacional de espécies da fauna e da flora selvagem.

Mas, em agosto do ano passado, o próprio governo brasileiro pediu para que a convenção retirasse a espécie da lista, apesar dos alertas de técnicos para preservar o ipê.

A medida é objeto de procedimento do MPF no Amazonas. Dados consolidados da Operação Arquimedes, que apura a exploração ilegal de madeira na Amazônia, indicam que o ipê é a espécie mais explorada da região.

O Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Jardim Botânico do Rio Janeiro e outras instituições estão levantando os dados e identificando os estudos sobre o tema para atender às requisições do MPF, que deverão subsidiar as providências adotadas pelo órgão. O posicionamento informado pela presidência do Ibama na reunião foi no sentido de que o Brasil tem até o final de 2021 para deliberar sobre o tema.

Com as informações a serem prestadas e cópias de documentos ao MPF, a qualificação técnica ou eventual necessidade de produção de mais estudos serão analisados, bem como a urgência de reforço do sistema protetivo dessa espécie florestal.

Debateu-se ainda sobre a relevância de realização de um tabelamento mínimo do valor do Ipê para comercialização, visando a transformação do atual consumo possivelmente predatório em exploração sustentável, com observância dos preceitos legais do Código Florestal e normativos específicos.

Segundo o ambientalista Carlos Durigan, o ipê está entre as árvores que produzem uma madeira de alta qualidade, o que faz ela ser muito valorizado pelo potencial de uso como para a produção de móveis e para o uso na construção civil, pois é uma madeira de alta durabilidade.

“Ao contrário do que o atual governo vem fazendo, é preciso fortalecer os órgãos de controle e sua atuação, além disso, trabalhar pelo fortalecimento das iniciativas de manejo sustentável da floresta há muitas experiências na Amazônia voltadas ao uso sustentável de recursos naturais promovidas por universidades, instituições de pesquisa, empresas, comunidades e ONGs. É preciso reconhecer e apoiar estas iniciativas e trabalhar em conjunto para buscar soluções sustentáveis às práticas impactantes e ilegais que existem atualmente”, destacou o ambientalista.

Ramais irregulares

O ambientalista Carlos Durigan explicou que a extração ilegal de madeira é feita sem nenhuma boa prática de manejo, o que leva a produzir grandes impactos, seja sobre as espécies exploradas e cortadas, assim como em toda a área onde ocorrem, com a abertura irregular de ramais e picadas para acesso às áreas e extração.

“Na falta de manejo, acabam por extrair grandes árvores que numa área de manejo não seriam retiradas. Muitas delas com centenas de anos assim uma área com este tipo de exploração”, afirmou o especialista.

Para ele, dificilmente a área voltará a ter a mesma fisionomia já que parte da região passou a ser utilizadas por outras atividades impactantes, como agricultura e pecuária extensiva. “Com essa mudança de cenário, o local desmatado fica mais propenso a incêndios florestais”, explicou Durigan.

Operação Arquimedes

Um alerta emitido pela Receita Federal e pelo Ibama constatou aumento incomum do trânsito de madeira pelo porto Chibatão, zona sul de Manaus, foi a partir dessa constatação que foi deflagrada à Operação Arquimedes.

Após questionamentos à administração do terminal portuário, verificou-se que a única fiscalização realizada nos contêineres que ali transitavam se limitava à análise de notas fiscais, embora houvesse ciência de que carregamentos de madeira devem estar sempre acompanhados do Documento de Origem Florestal (DOF).

O documento deve ser mantido e averiguado por todos aqueles que transportam, guardam ou servem como depositários de cargas de madeira, viabilizando que esses estejam sujeitos à fiscalização pela autoridade ambiental competente.

Diante dos fortes indícios de irregularidade na fiscalização e da própria madeira que transitava pelos portos de Manaus, foi deflagrada a primeira fase da Operação Arquimedes no dia 14 de dezembro de 2017, pela Polícia Federal, em conjunto com o Ibama e a Receita Federal do Brasil. Naquele dia, foram apreendidos 444 contêineres de 63 empresas com carga de madeira suspeita de ilegalidade.