Jovem indígena e assumidamente LGBTQ diz: ‘Somos atacados desde 1500’

Jovem Pataxo planeja participar de conferência climática da ONU e acredita que a luta dos povos da Amazônia é também a luta do Pataxo da Bahia (reprodução/Instagram)

17 de dezembro de 2020

19:12

Mencius Melo

MANAUS – Com 21 anos, voz tranquila e postura de líder, Emerson Pataxo é a face de um povo que luta pelo protagonismo nos debates e embates que marcam um Brasil convulsionado na economia, política, meio ambiente e direitos humanos. No centro da questão agronegócio versus preservação e principalmente: demarcações de territórios, os indígenas querem ter voz.

Emerson Pataxo é de uma geração que entendeu a força das redes sociais e as usa para articular, promover e divulgar as causas indígenas (Reprodução/Instagram)

Em entrevista à REVISTA CENARIUM, de Santa Cruz Cabrália do Sul (distante 707 quilômetros de Salvador), coincidentemente um dos primeiros pontos de desembarque e ocupação da coroa portuguesa no início da colonização lusitana, Emerson Pataxo falou sobre temas sensíveis como direitos indígenas, políticas ambientais ou a ausência delas no atual governo, entre outros temas.

Emerson Pataxo tem pouca tolerância quando o assunto é discutir o obvio. “Nós, povos indígenas temos o direito de comer, de ter nossos territórios. Temos o direito de viver e isso não é uma defesa da esquerda ou da direita, se trata do direito de viver, qualquer debate que divida essas pautas em dois lados é desnecessário”, criticou o jovem Pataxo.

Comunista?

O jovem indígena não é filiado a partidos, mas militou no ensino médio, na União da Juventude Socialista (UJS), braço juvenil do Partido Comunista do Brasil (PC do B) “Militei no movimento estudantil secundarista pela UJS, mas não sou filiado a partidos”, explicou. “No início do próximo ano irei me filiar a um partido por entender que o Brasil exige de nós mais participação política”, adiantou.

Mesmo tendo postura crítica, Emerson reconhece que certos pensamentos expostos por parte da sociedade brasileira estão equivocados. “Hoje quem defende os direitos do povo é ‘comunista’, é de esquerda e não é bem assim. O direito a terra, à educação e à saúde são direitos da humanidade”, observou. “Dizer que nós indígenas somos fantoches de esquerda é desconhecer nossa história de resistência”, lamentou.

Questionado se, por ser militante da causa indígena Emerson já teria sofrido ataques, ele respondeu: “A extrema-direita representa a verdadeira face da colonização e isso não acabou ainda. “Somos atacados cotidianamente desde 1500”, revelou. “E diria que no Brasil é muito difícil se manter vivo para defender as lutas indígenas, somos ameaçados e perseguidos”, denunciou.

Direito ao corpo

Tema quase sempre tabu em sociedades tradicionais, Emerson se revela tranquilo quanto a sua sexualidade. “Sou bissexual, mas nunca tratei isso como obrigação porque não vejo como necessário para ter aprovação de outras pessoas”, ponderou. “Meu pai não conversa comigo por não aceitar minha posição, mas eu acredito que a solução para o preconceito é o diálogo”, pontuou.

Ativista e militante, Emerson Pataxo pretende se filiar a um partido para dar mais voz às bandeiras que defende (Reprodução/Instagram)

Apesar de livre, o indígena revela preocupação com o fato de não se discutir o tema ‘sexualidade’ de forma aberta entre o povo Pataxo. “Vivemos uma realidade em que a religiosidade cristã está muito presente e isso acarreta de certa forma a não aceitação da população LGBT indígena. Por isso, estamos em constante diálogo com os jovens das comunidades tradicionais”, comentou.

O Pataxo lamenta a dura realidade brasileira quanto aos LGBT. “A questão da sexualidade deve ser algo a ser encarado com naturalidade, mas nosso País é o que mais mata LGBTs no mundo. Felizmente essa violência ainda não chegou de forma contundente na comunidade e lutamos para fazer do diálogo a ferramenta para combater o preconceito”, defendeu.

Lutas de um povo

Indagado pela reportagem sobre os próximos passos e em que os Pataxo se aproximam dos povos da Amazônia, ele respondeu: “Hoje o que nos une é a demarcação de nossos territórios. A luta dos povos indígenas da Amazônia é também a luta do povo Pataxo”, sentenciou. “Tudo o que Bolsonaro quer é legalizar a exploração das terras indígenas pelo garimpo, madeireiras, grileiros entre outros”, acusou.

Ao encerrar, ele adianta que pretende participar da conferência da Organização das Nações Unidas (ONU). “Quero participar da conferência sobre mudanças climáticas da ONU. Quero levar mais dois jovens Pataxo para participar desse evento. Nossa juventude precisa estar engajada. Debater as mudanças climáticas é debater nosso futuro”, finalizou Emerson Pataxo.