02 de setembro de 2024
21:09
Fabyo Cruz – Da Cenarium
BELÉM (PA) – Representantes de comunidades tradicionais da Amazônia se encontraram em Belém, na última sexta-feira, 30, para planejar as atividades da COP do Povo, um evento que ocorrerá em paralelo à Conferência das Partes (COP-30), programada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para novembro de 2025 no Pará.
O encontro na capital paraense teve como objetivo preparar lideranças indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, ativistas e pesquisadores na elaboração de uma agenda conjunta, visando assegurar que os povos da Amazônia sejam protagonistas nas discussões internacionais sobre mudanças climáticas.
Sob a organização do Instituto Zé Claudio e Maria (IZM) e com o apoio da ONG Global Witness, o evento reuniu 66 representantes de 40 organizações sociais com o objetivo de dar maior visibilidade às vozes de lideranças tradicionalmente marginalizadas nos acordos climáticos, começando por um primeiro alinhamento das informações sobre a COP.
“A construção da COP do Povo é para honrar o legado de Zé Cláudio e Maria, dois defensores ambientais assassinados em 2011. Por isso, buscamos construir um ambiente seguro para que defensores ambientais possam discutir”, explica a coordenadora do IZM e uma das organizadoras da programação, Claudelice Santos.
Entre os participantes, estavam presentes figuras proeminentes na defesa dos direitos dos povos da Amazônia, como a coordenadora da Associação Indígena Pariri, Alessandra Korap, do povo Munduruku; a atuante indigenista e defensora ambiental em Rondônia Neidinha Suruí; a representante da Confederação Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas (Confrem), Marly Lúcia; e o líder quilombola da Amarqualta, no Vale do Acará (PA), Josias dos Santos, conhecido como “Jota”, entre outros.
Alessandra Munduruku afirma que “a COP é um evento com forte presença de bancos e empresários que queimam o planeta, e sem as comunidades tradicionais”. “Eu, enquanto liderança, defendo que os povos tradicionais comecem a agir agora mesmo, ir para os territórios, fazer formação sobre o que é COP. Estamos aqui para mostrar como queremos que a COP seja e que não vamos deixar falarem pela gente, porque somos nós que estamos resistindo e protegendo a floresta todos os dias”.
Democratização do debate
Desde o início das negociações climáticas, defensores ambientais não participam dos centros de tomadas de decisões nas conferências do clima. Durante a reunião, diversas lideranças relataram ter enfrentado dificuldades para obter acessos em edições anteriores da COP, como explica a ativista dos direitos humanos e do meio ambiente, Neidinha Suruí.
“Vamos mapear nossos parentes que falam inglês. Precisamos levar indígenas, quilombolas, extrativistas e afins que falem outro idioma e que nos façam sermos entendidos nesses lugares. Precisamos nos fortalecer e montar estratégias para levar propostas para a COP”, diz a ativista.
Claudelice Santos reforça que “a reunião foi o início do processo de estabelecer algo coletivo a fim de envolver as bases que não participam das tomadas de decisão em uma COP”. “Foi um momento de estabelecer um ponto de reflexão diante de uma avalanche de discursos fantasiosos que se dizem em prol da floresta, de uma ‘sociobiodiversidade’, do ‘capitalismo verde’, de uma maquiagem de responsabilidade social e ambiental, enquanto ações de empresas poluidoras são tuteladas pelo Estado”, finaliza.
Qual será o legado da COP?
Em maio deste ano, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), declarou que Belém está recebendo um investimento de cerca de R$ 5 bilhões em infraestrutura para a realização da COP-30. Desse total, R$ 3 bilhões serão executados este ano e até R$ 2 bilhões em 2025. A falta de investimentos em projetos diretamente ligados às comunidades tradicionais foi um dos pontos de crítica na preparação para a COP-30.
“Belém merece, sim, investimentos, mas deveriam olhar mais para quem realmente protege a floresta. A cidade já sediou o Fórum Mundial Social, a Cúpula da Amazônia, e nada mudou para nós. A Doca vai receber um pedaço de Paris, a Estação das Docas vai virar um point chique. São obras megalomaníacas e que nada afetam o cotidiano de quem preserva a floresta, enquanto isso estamos mantendo a nossa biodiversidade amazônica à custa de muito suor”, destaca a liderança da Associação Quilombola África e Laranjituba, Raimundo Magno.
Até novembro de 2025, outras reuniões preparatórias serão realizadas. A ideia é que as próximas sejam em outros Estados da Amazônia Legal, a fim de democratizar a organização da COP do Povo e capilarizar ainda mais a presença das lideranças na construção do movimento.