Luz, pirotecnia e paredões de som: conheça a evolução do tecnobrega no Pará

Ritmo surgiu na periferia do Pará e tornou-se conhecido internacionalmente (Composição: Weslley Santos/Revista Cenarium)

22 de junho de 2024

14:06

Raisa de Araújo – Da Cenarium

BELÉM (PA) – Luzes de led, pirotecnia e paredões de som. As festas mais populares da Amazônia têm sua própria estética, reinventam a linguagem do universo pop e fazem emergir, da periferia do Pará para o mundo, uma das cenas mais autênticas e vibrantes do Brasil. É assim que o tecnobrega, ritmo que tem a cara as vozes do Estado, se apresenta. Mas, como ele surgiu e como ele ficou tão popular nacional e internacionalmente? 

Para responder essa pergunta e traçar um panorama histórico dessas festas, a CENARIUM conversou com duas importantes figuras da cena musical do Pará: o produtor cultural Zek Picoteiro, principal idealizador do Primeiro Festival de Tecnobrega, realizado em Belém, e o DJ Waldo Squash, integrante da banda Gang do Eletro, que irá se apresentar na próxima edição do Rock in Rio.

Gaby Amarantos ficou conhecida internacionalmente pelo Tecnobrega (Reprodução/Redes Sociais)
Era dourada

Nos anos 80, o Pará vivenciou um boom cultural graças à lambada e ao brega, marcando uma “era dourada” para a música local. Aparelhagens, rádios e gravadoras próprias criaram um ecossistema vibrante onde artistas eram agenciados, festas proliferavam e a música paraense ganhava cada vez mais destaque. Foi nessa época que os artistas locais começaram a criar sua própria versão da Jovem Guarda, dando origem ao que se tornaria a pré-história do brega.

Cultura da aparelhagem é tema de festival iem Belém (Tuyuka Lara/Psica 2022)

Porém, nos anos 90, com a ascensão do Axé Music e o redirecionamento da lambada para uma audiência externa, a cena musical do Pará começou a declinar. A lambada, retratada como a “dança proibida” e popularizada globalmente por bandas francesas com músicos brasileiros, fez com que o foco se desviasse da produção local, resultando em um declínio das atividades musicais na região.

Zek Picoteiro explica que, na virada dos anos 90 para 2000, alguns artistas começaram a criar soluções de baixo custo de produção musical. “O que o Tony Brasil fez, por exemplo, foi uma parada muito experimental, assim, de sintetizar, de sequenciar as batidas, os instrumentos, tudo para tocar um teclado. Então, ele fez esse trabalho experimental para reduzir custos mesmo de produção de um álbum, ao invés de contratar vários músicos para ir para o estúdio gravar, ele conseguiu fazer isso sozinho, ou ele mais um parceiro”, analisa.

Dj Zek Picoteiro (Divulgação)

Dessa experimentação surgiu uma nova estética musical. A batida característica do brega pop e do brega calypso evoluiu, especialmente no interior do Pará, onde artistas como Jurandi de Castanhal e Júnior Rêgo de Capanema começaram a produzir hits com uma nova sonoridade eletrônica. Esse movimento deu origem ao tecnobrega, um estilo que rapidamente se espalhou e ganhou popularidade.

Na velocidade do eletro

Na virada dos anos 90 para os anos 2000, o tecnobrega explodiu nas festas locais. As músicas altamente dançantes e as batidas eletrônicas conquistaram o público, criando um ciclo de retroalimentação onde a demanda por novas músicas e remixes crescia constantemente. O tecnobrega não só revitalizou a cena musical do Pará, como também abriu portas para que os artistas locais ganhassem reconhecimento além das fronteiras do Estado e até mesmo do País.

DJ Waldo Squash, após anos de experiência tocando com o pai e depois como radialista, conheceu e se juntou a outro importante compositor, o Marcos Maderito, com quem, mais tarde, formaria a banda Gang do Eletro. A partir desse momento, a história dele com a produção musical no Pará se estreitou, sendo um dos grandes responsáveis pela internacionalização dos hits.

Waldo Squash (Divulgação)

A gente gravava música para as equipes, que são os fã clubes que seguem as aparelhagens. Nessa época, os fã clubes se reuniam no meio da semana para ensinar a dança do tecnobrega. Era muito bacana nessa época. Então, a partir daí foi que eu mergulhei de cabeça na produção musical. A partir do trabalho com o Madeirito, por muitos anos, essa produção de música para as equipes, para as aparelhagens aqui, pagaram as despesas da minha casa”, relembra Waldo.

Foram centenas de músicas produzidas para as torcidas, um tipo de jingle que as torcidas levavam para as aparelhagens e que, automaticamente, divulgava o trabalho delas. Com o passar do tempo, os produtores começaram a ficar cada vez mais conhecidos na cena e se tornaram grandes referências musicais.

William Love, Waldo Squash, Keila e Maderito, da Gang do Eletro (Divulgação/Diana Figueroa)

Shows a gente fazia pouco, mas a gente gravava muito para as equipes. As equipes pagavam a gente para fazer o que a gente fazia, né? […] tem músicas que, às vezes, nem sei se fui eu mesmo quem produzi, ou não”, comenta.  

Zek, que trabalhou com a Banda Gang do Eletro ainda em meados de 2021, comentou sobre a cultura a necessidade de os frequentadores e os fã clubes das aparelhagens se sentirem representados na festa, que é quando os produtores passam a aceitar músicas por encomenda.

Então, isso é muito curioso, porque imagina: qual é o mercado de música, qual é o gênero musical que tu podes ‘brifar’ o artista sobre o que ele vai falar, seja você um pequeno produtor, uma pequena marca de bairro, de rua, um comércio, uma distribuidora, um bar, um lanche de esquina, uma equipe que pode fazer uma vaquinha entre toda as pessoas pra pagar o artista, assim, com valores acessíveis. Não eram valores exorbitantes e até hoje é um valor muito acessível. É um circuito muito fechado dentro de si mesmo, sabe?”, analisa.

Gang do Eletro: grupo é referência no estilo musical nascido no Pará (Reprodução/Instagram)

É a partir desse momento que Maderito e Waldo se unem a Will Love e Keila Gentil e formam a Gangue do Eletro, onde conseguiram internacionalizar a banda em grandes festivais em países como Alemanha, França, Dinamarca e Estados Unidos.

A gente buscou referências na música eletrônica europeia, que foi de onde a gente tirou a ideia do Eletromelody. Ou seja, a partir do Electro House, – aquela pegada mais pesada do Benny Benassi, aqueles bumbos mais cheios, – a gente mesclou tudo isso ao ritmo do brega e ficou um negócio bem bacana. Foi aí que a gente começou a chamar de Eletromelody”, comentou Waldo.

A evolução do tecnobrega ilustra a capacidade de adaptação e inovação dos músicos paraenses, que, apesar dos desafios, conseguiram transformar um movimento local em um sucesso global. Para Zek, é muito difícil qualquer gênero musical conseguir atingir esse nível de envolvimento entre o mercado e a parte criativa e musical, com produtores e compositores, todos envolvidos.

Esse mercado traz muitos aprendizados para gente a partir dessa observação, de como funciona esse ecossistema musical“, considera o artista.

Mais pólvora: o surgimento das aparelhagens

A forma como as festas de aparelhagem, com seus grandes paredões de som e seus vários leds surgem e se tornam o que são hoje, não tem uma história e uma data definida. Zek comenta que essa é a importância de manter a realização de festas temáticas.

O produtor cultural acrescenta que, para ele, as festas possuem um ecossistema muito bem definido, que envolvem os artistas que produzem músicas para tocar nessas produções. As músicas citam as aparelhagens, homenageiam os nomes dos DJs, e também as equipes que frequentam as festas de aparelhagem, ou seja, tudo cria um circuito definido dos eventos. “Então, é como se fosse toda uma rede de comunicação muito orgânica que retroalimenta um ao outro”, destaca.

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Editado por Adrisa De Góes