MP apura atuação de médicos sem CRM em hospital do interior do AM após 57 mortes

Unidade de saúde de Itacoatiara é a única para tratamento de pacientes com Covid-19 no município (Reprodução)

01 de fevereiro de 2021

13:02

Bruno Pacheco

MANAUS – O Ministério Público do Amazonas (MPAM) deu como prazo até esta terça-feira, 2, para que a Secretaria de Saúde de Itacoatiara (a 270 quilômetros de Manaus) forneça informações quanto às denúncias protocoladas no órgão ministerial sobre a atuação de médicos sem o registro profissional no Hospital Regional José Mendes, unidade hospitalar referência para o tratamento de pacientes com Covid-19 na cidade. A denúncia também é acompanhada pelo advogado de familiares de uma vítima da doença.

De acordo com relatórios divulgados pela Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), entre os dias 16 e 31 de janeiro, 57 pessoas morreram em decorrência da Covid-19 em Itacoatiara.

Na região do médio rio Amazonas, o hospital de Itacoatiara é considerado polo para receber pacientes de municípios e comunidades vizinhas para tratamento de doenças. Assim como em Manaus e outras capitais do Brasil, a unidade sofre com o baixo abastecimento de cilindros de oxigênio e a superlotação de pacientes com o novo coronavírus.

Um advogado, que preferiu não se identificar para manter o sigilo da apuração, foi contratado por familiares de uma vítima da Covid-19. Segundo ele informou à REVISTA CENARIUM nesta segunda-feira, 1º, a família pede uma apuração preliminar acerca do médico que atendeu o paciente, por suspeitar que ele não tem inscrição no Conselho Regional de Medicina (CRM) e se houve ilegalidade na conduta do hospital de Itacoatiara.

Dois dias úteis

De acordo com a decisão Nº 2021/0000004795.02, da promotora de Justiça, Marcelle Cristine de Figueiredo Arruda, foi solicitado da secretária de Saúde do município, no prazo de dois dias úteis, a contar de 28 de janeiro de 2021, informações sobre os fatos denunciados, ou seja, a demanda deve ser respondida até esta terça-feira, 2.

O MPAM pediu, ainda, cópia da Notícia de Fato quanto às seguintes informações, veja na íntegra:

  1. A ausência de profissionais médicos dos dias da presente semana [de 24 a 28 de janeiro, dia no qual as demandas foram solicitadas], deixando a equipe de enfermagem sem a presença de médicos para coordenar os atendimentos e prestar auxílio médico aos pacientes;
  2. À presença de médicos do Programa Mais Médicos no atendimento hospitalar, sendo ilegal tal exercício;
  3. Há médicos do Programa Federal Mais Médicos sem CRM e apenas com RMS estariam proscrevendo, reanimando pacientes e realizando procedimento de alta complexidade sem estarem devidamente capacitados para tal função, inclusive no Pronto-Socorro.

“Na oportunidade, solicito ainda, em igual prazo, a relação de médicos que estão na ativa e afastados por motivos de saúde e outras informações acerca de quais providências foram adotadas no âmbito municipal visando a contratação de médicos e/ou a cessão de médicos por meio da Secretaria Estadual de Saúde, encaminhando-se a documentação comprobatória”, finaliza a promotora, em sua decisão.

Veja o documento:

O que diz a lei

De acordo com a Lei 3.268 /1957, em seu Artigo 17, “os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade”.

Superlotação ao colapso

No dia 30 de dezembro de 2020, Itacoatiara confirmava 97 óbitos, com dez pacientes internados no Hospital Regional José Mendes. No dia 6 de janeiro de 2021, o número subiu para 99, com 29 pacientes internados no hospital de Itacoatiara. Os dados são do boletim epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa).

O município entrou em alerta quando viu o rápido crescimento no número de pacientes internados pelo novo coronavírus. No dia 15 de janeiro, a secretária de Saúde de Itacoatiara, Rogéria Aranha Peixoto Lima, conforme informações compartilhadas nas redes sociais, admitiu o colapso na saúde do município e chegou a fazer um apelo em uma publicação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), no Facebook. À época, o hospital da cidade já comportava 92 pacientes hospitalizados.

(Reprodução)

Maior quantidade de internados

No dia 29 de janeiro deste ano, o município registrou a maior quantidade de hospitalizações, com 125 pacientes com Covid-19 no Hospital Regional José Mendes, conforme o boletim epidemiológico do município. Neste mesmo dia, o número de óbitos estava em 160.

Até esse domingo, 31, a Semsa, por meio do Departamento de Vigilância em Saúde (DVS), da Prefeitura de Itacoatiara, confirmou 168 óbitos por Covid-19 na cidade, com 112 pacientes com o novo coronavírus internados.

Dados até 31 de janeiro de 2021 (DVS/ Divulgação)

Atualizações

Os dados são atualizados às 10h30, mas compartilhados nas redes sociais da DVS somente a tarde ou a noite, conforme mostram prints (ferramenta de captura de tela) do Facebook da pasta.

Indisponível

O link http://semsa.itacoatiara.am.gov.br/, disponibilizado pela prefeitura para mais informações sobre o boletim epidemiológico da Covid-19, em Itacoatiara, no entanto, aparece indisponível na internet.

Print desta segunda-feira, 1º, mostrando que a conexão com o link disponibilizado pela prefeitura foi recusada (Imagem: Google Chrome)

Questionamentos

A REVISTA CENARIUM questionou o prefeito de Itacoatiara, Mário Abrahim (PSC), mas ainda aguarda posicionamentos para saber se algum médico atua na unidade de saúde de Itacoatiara sem registro profissional junto ao CRM, além do que a prefeitura tem a dizer sobre o prazo para que a Secretaria de Saúde forneça informações quanto às denúncias protocoladas no Ministério Público e qual o motivo de o site http://semsa.itacoatiara.am.gov.br/ aparecer como indisponível. A reportagem ainda aguarda respostas.