MPF ajuiza ação de atenção especial aos índios do Alto e Médio Rio Negro

A ação também toma por base políticas públicas equivocadas à realidade indígena, denunciadas há ao menos cinco anos. Foto: Divulgação / FOIRN

04 de maio de 2020

17:05

Da Revista Cenarium

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, requerendo medidas diferenciadas e adequadas à realidade dos povos indígenas da região do Alto e Médio Rio Negro. Estratégias para a implantação do auxílio emergencial, contra a aglomeração de pessoas, e a destinação de cestas básicas em caráter de urgência a esses grupos são alguns dos itens impetrados à Justiça Federal.

A ideia central é tomar providências rápidas que contribuam para a permanência dos indígenas nas aldeias como forma de evitar a transmissão do novo Coronavírus. Nesta segunda, 4, 95 indígenas estão com o teste positivo para a Covid-19, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena. A região mais atingida, pelo boletim, é o Alto Rio Solimões, e não entra na ação do MPF.

A prorrogação do prazo para saque do auxílio emergencial é uma das medidas indicadas na ação, com a possibilidade de sacar o recurso enquanto durar a pandemia ou pelo prazo de seis meses.

Atualmente, se o benefício não for retirado pelo beneficiário em 90 dias, os valores são restituídos ao governo federal, o que faz com que os indígenas se desloquem das aldeias para a sede dos municípios, descumprindo as orientações de isolamento social e se expondo ao risco de contrair a Covid-19.

Prorrogação para benefícios

Na ação, o MPF também pediu que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) prorrogue o prazo para saque de benefícios previdenciários, especialmente salário maternidade e pensão por morte, por mais 90 dias além do prazo já previsto.

Outra medida é a adequação do aplicativo destinado ao acesso ao auxílio emergencial, Caixa Tem, para possibilitar cadastro e acesso ao auxílio exclusivamente via internet, pelo site ou aplicativo, sem necessidade de confirmação por SMS ou meio telefônico, considerando que parte das comunidades possuem o acesso à internet – em escolas por videoconferência, postos de saúde ou do Exército – mas não possuem sinal de telefonia.

Em São Gabriel da Cachoeira (a 852 quilômetros de Manaus), centenas de indígenas se deslocam das aldeias e se aglomeram diariamente na única lotérica existente no município.

Muitos indígenas têm comparecido ao local para tentar realizar o cadastro do aplicativo ou apenas para consultar saldo, o que gera tumulto e aglomeração desnecessária no local, pois somente deve comparecer a lotérica quem já está de posse da senha que o aplicativo gerou para retirada do dinheiro.

Para evitar a ida dos indígenas às cidades, a ação pede a adoção de medidas alternativas para o pagamento do auxílio emergencial, como a instalação de estrutura de pagamento em escolas ou pelotões de fronteira do Exército. Apps que deem acesso ao benefício mesmo sem conta bancária – a exemplo do Coronavoucher, da fintech Trocados – também foram inclusos na sugestão.

A destinação dos recursos daqueles que desejarem a uma conta específica – por meio de fundo específico ou por transferência direta a instituição pública ou associação indígena – com acompanhamento dos órgãos de controle e da Funai e prestação de contas periódica.

E a adoção de procurações simplificadas para recebimento do auxílio emergencial também são medidas indicadas pelo MPF para diminuir a ida dos indígenas aos centros urbanos.

Segurança alimentar e informação 

O MPF ainda pede a efetivação da distribuição de alimentos nas aldeias em até cinco dias, com atenção especial às localidades de difícil acesso e apoio logístico do Exército.

Caso aceitos pela Justiça, o Ministério da Cidadania deve divulgar material informativo sobre o auxílio emergencial voltado para indígenas e povos tradicionais, especialmente os que residem em locais distantes dos centros urbanos ou de difícil acesso. As orientações devem constar os principais obstáculos que essas famílias podem enfrentar para acessar o benefício, seguindo a recomendação de isolamento ou distanciamento social para evitar a contaminação de indivíduos e comunidades.

Deve estar no material os meios alternativos de acesso aos benefícios e auxílio emergencial a partir das próprias aldeias e comunidades, a desnecessidade de deslocar-se à cidade e o cronograma de entrega das cestas básicas em cada região ou território indígena.

Na ação civil pública, destacou-se os riscos de contaminação pela Covid-19 como catastróficos para os povos indígenas, incluindo aqueles de recente contato, com pouca imunidade para doenças respiratórias. “Tudo isso com o incentivo da propagação da doença pelo próprio Poder Público por meio de políticas equivocadas e não adaptadas ao contexto indígena, denunciadas há, pelo menos, cinco anos por eles e pelo MPF”, afirmam os procuradores da República, em trecho do documento.

Há cerca de três semanas, o MPF expediu recomendação para adequar as medidas em questão à realidade sociocultural dos povos indígenas do Alto e Médio Rio Negro. As medidas foram debatidas com diversos especialistas no tema, pesquisadores, movimento indígena e entidades indigenistas.

O documento foi encaminhado a diversos órgãos, entre eles o Ministério da Cidadania, a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Exército e o INSS. Apesar da urgência das medidas, os órgãos apresentaram respostas pouco concretas que indicam o não acatamento da recomendação, o que levou à apresentação da ação civil pública.

A ação tramita na 3ª Vara Federal no Amazonas, sob o número 1007677-04.2020.4.01.3200.