Negro e nortista, João Ricardo é um dos escritores revelação da feira literária de Paraty, no RJ

O escritor e roteirista amazonense João Ricardo estreou a obra literária "Alma Mater"(Reprodução/Divulgação)

26 de agosto de 2020

20:08

Mencius Melo – da Revista Cenarium

MANAUS – João Ricardo é um amazonense de 34 anos que, assim como muitos, foi para o Rio de Janeiro há três anos, para ganhar experiência e musculatura na carreira de publicitário. Formado pelo Instituto Federal de Tecnologia do Amazonas (Ifam), João desembarcou na capital carioca e depois de alguns ‘vais e vens’ está se descobrindo como escritor e roteirista em um mercado predominante branco.

A mais importante feira literária brasileira, a Flip está programada para acontecer em novembro de 2020, por conta da pandemia (Reprodução/Internet)

Selecionado para a coletânea “Parem as Máquinas” da editora Off Flip da Feira Internacional Literária de Paraty (Flip) em 2020, João conta que foi a experiência na Festa Literária das Periferias (Flup) em 2019, que lhe garantiu uma visão de mundo e uma decodificação identitária.

A partir daí ele entendeu a realidade que o cerca. A participação na Flup lhe preparou para a Flip. “Já estava no Rio quando fui impactado pelo anúncio de convocação do ‘Laboratório de Narrativas Negras para o Audiovisual’ no meu feed do Instagram e imediatamente mandei uma prévia de um projeto”, recordou.

O laboratório é uma experiência na construção de roteiros, realizada pela Flup em parceria com o Museu de Arte do Rio (MAR) e TV Globo.

Encontro fictício em Parintins

Evento que congrega literatura e inclusão social, a Flup é sempre uma oportunidade de afirmação e espaço para jovens escritores (Reprodução/Agência Brasil)

Segundo João Ricardo, a partir de sua ‘argumentação’, a produção da Flup o selecionou para as oficinas que aconteceram no MAR.  Questionado sobre qual foi o argumento, João explicou: “Construí um argumento baseado na minha vivência na Amazônia, criei uma ficção de um encontro entre uma carioca e uma amazonense de Parintins, dentro do galpão de alegorias do Garantido, durante o festival folclórico de Parintins”, contou.

Ainda segundo ele, não se tratava de um roteiro e sim de uma ideia que, inclusive, ainda não saiu do papel. “Eu enviei a minha ideia de um possível roteiro e durante o laboratório desenvolvi um argumento. As oficinas me deram amadurecimento para no futuro tirar esse projeto do papel”, planejou.

Visão de mundo

Selecionado para a Flip com o conto “Alma Mater”, que será lançado pelo selo Off Flip de forma colaborativa, João observa que sua participação na oficina de roteiros, em 2019, o preparou para estrear no conto. “O selo abriu inscrições para todo o Brasil e eu enviei meu material, para minha surpresa fui selecionado, mas ainda não posso adiantar como será a venda e a distribuição”, revelou.

Como homem de origem negra, o publicitário recorda os impactos das experiências. “Estando aqui no Rio de Janeiro, percebi o protagonismo branco, o próprio mercado de roteiros é um mercado completamente branco, o audiovisual é completamente branco e não me refiro somente na frente das câmeras, mas muito mais por trás delas”, constatou.

João Ricardo teve seu conto “Alma Mater” selecionado para coletânea do selo integrante da Flip (Reprodução/Divulgação)

“Meu Norte…”

Mesmo com o choque e o aprendizado duro, João não se rende aos preconceitos que pairam sobre sua origem geográfica. Muito menos com a visão ‘exótica’ de alguém que chegou da floresta. “Estou aqui e tenho que aproveitar a oportunidade para quebrar paradigmas e barreiras e mostrar o meu talento, sei que é difícil, mas, se tivermos oportunidade, é possível”, argumentou.

“Por isso, é preciso que inciativas como a Flup existam sempre, isso sim gera oportunidades para muitos que vêm da periferia”. Provocado se um roteiro ou mesmo um livro podem surgir em breve, ele comentou. “Tenho projetos para não deixar de falar do meu Norte”, finalizou.