No AM, conselheiros alegam racismo institucional e recusam posse em Comissão de Igualdade Racial

Os conselheiros enumeram uma série de erros, falhas e atitudes excludentes da Sejusc (Reprodução/Carlos Alessandro)

10 de novembro de 2021

17:11


Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

MANAUS – Parte dos conselheiros Estaduais de Igualdade Racial do Amazonas se recusaram a tomar posse, durante cerimônia ocorrida nessa terça-feira, 9, na Assembleia Legislativa do Estado (Aleam). Os dez conselheiros divididos entre suplentes e titulares, ligados ao Movimento Negro, alegam não terem sido convidados para o evento, além de denunciar outros episódios de racismo institucional dentro da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc).

Durante a ocasião, mediada pela secretária da Sejusc, Mirtes Sales, os conselheiros enumeram uma série de erros, falhas e atitudes excludentes, além da falta de representatividade negra ao movimento. “Eles já estavam com uma pauta pronta e absurda com interesses escusos, porque querem dar posse em Brasília a uma representante dos ‘mestiços’, uma categoria que só existe aqui no Amazonas. Isso porque eles não têm representatividade que os classifique, nota-se que é uma questão política”, comenta a integrante do Movimento Negro e representante da Comissão da Igualdade Racial da OAB Amazonas, Luciana Santos.

Vagas

Ao todo, são 24 vagas destinadas a órgãos de administração pública e sociedade civil, integrando o Conselho de Igualdade Racial, criado pela Lei estadual 4.367. Mas segundo o movimento, a falta de transparência nas ações que envolvem o processo eleitoral do conselho, além da não comunicação da cerimônia de posse para parte dos interessados, culminou no que os integrantes classificam como “posse irregular” na Aleam.

“É no mínimo estranho que todos os conselheiros ligados ao Movimento Negro não serem convidados para sua própria posse e todos do mesmo segmento. Ou seja, de repente você faz uma solenidade tendo como foco o conselho de igualdade racial e não chama essas pessoas, desculpe mas não é normal isso”, ressalta a advogada.

Racismo institucional

De acordo com Luciana, as circunstâncias ocorridas desde o início das eleições e pós-eleições são demonstrações de racismo institucional, sendo este, um dos pontos protocolados na denúncia ao Ministério Público do Estado do Amazonas, (MPE). Os integrantes afirmam que foram vítimas de racismo em um grupo de WhatsApp criado pela própria Sejusc.

Fachada do Ministério Público do Estado do Amazonas (Reprodução/Carlos Alessandro)

“Se formos parar e pensar nas ações tomadas, esse tempo todo houve racismo. A secretária pode até dizer que não é racista e que não quer silenciar o movimento negro, mas existe um racismo implícito. E o racismo institucional não precisa ser de forma descarada, ele se manifesta em nuances, nas estratégias e nas opções você toma para impedir que negros ocupem determinados espaços”, explica a representante da Comissão.

Luciana ressalta que o movimento negro lutou favoravelmente à criação do conselho, além do interesse do membros para que o conselho vigore de forma legítima, dentro de toda legalidade. “Ninguém foi para tumultuar. O ponto central de tudo isso é entender que não houve o rito correto. Como dar posse para um conselho paritário, sem que de fato isso ocorra?”, questiona a advogada.

Denúncia

Dentre as questões formalizadas como irregularidades estão as sucessivas barreiras impostas pela Sejusc na correta tramitação no processo de eleição, além de ataques realizados no local de posse por parte do Movimento ‘Pardo-Mestiço’ contra integrantes do Movimento Negro, em especial os ligados ao partido de esquerda. A denúncia também abrange um processo de pós-eleição tido como “não transparente”, sem informação aos conselheiros sobre o andamento de nomeações para a Casa Civil do Estado e da Casa Civil da Aleam.

Além disso, o conselheiro titular da Associação de Desenvolvimento Cultural Toy Badé, Alberto Jorge, eleito para a vaga da sociedade civil, classificou a solenidade como um momento infeliz para a Igualdade Racial no Amazonas. “Os conselheiros se recusam a tomar posse, por causa dos erros e absurdos da posse a ser dada de forma parcial pela Sejusc. A decisão foi em cima da hora, a sociedade civil, os conselheiros eleitos pelo governador e àqueles que representam organizações governamentais não foram contactados de forma institucional e pessoal”, complementa Alberto.

Interesses

“E ainda vão querer fazer de forma criminosa, a eleição de diretoria e indicação para o conselho de uma pessoa do seu grupo político ao ‘arrepio’ da legislação, isso é um absurdo sem precedentes. Denunciamos esta ação de Mirtes Sales, que está levando a Sejusc como se fosse quintal de sua própria casa”, lamenta Alberto Jorge.

Para o conselheiro titular do Toy Badé, fica clara a intenção de favorecimento político. “São dez anos de luta aqui e no Congresso, para que agora eles queiram nos desmerecer em favor de outros grupos étnicos-raciais e questões políticas, logo nós que lutamos verdadeiramente por este conselho e igualdade?”, indaga Alberto Jorge.

O movimento pede a suspensão da posse e que seja estabelecida uma nova data para a programação, além de solicitar o aumento do período de mandatos dos membros, saindo de um para quatro anos. Foi pedido também a responsabilização criminal por prevaricação aos integrantes que possivelmente teriam ciência das irregularidades alegadas.

O Conselho Estadual da Igualdade Racial do Amazonas (Cepir) atua com 12 Organizações da Sociedade Civil (Denise Pêgo/Sejusc)

“Não houve erro”

Procurada pela CENARIUM, a secretária Mirtes Salles informou não haver nenhum tipo de ataque e nem irregularidade na posse. “Eles chegaram lá tentando tumultuar a posse dos novos conselheiros. Os demais presentes começaram a se manifestar, dizendo que queriam a posse sim. O ato foi apenas uma formalidade, para que o conselho pudesse fazer a primeira reunião e a eleição. Nós não temos gerência sobre essas brigas internas deles que, parecem, já vir de algum tempo”, diz a secretária.

Segundo Mirtes, foram apresentados os conselheiros apontados por cada órgão e cada instituição, além da escolha ter sido legitimada por uma lei aprovada pela Aleam, que teria sido publicado no Diário Oficial da Casa Legislativa. Questionada sobre o porquê de acreditar que os conselheiros que representam o movimento negro não quererem a posse dos demais colegas, a secretária respondeu.

“Na realidade não tinha muito fundamento, queriam tumultuar mesmo. Agora eu entendi porque que há dez anos tentam constituir o conselho e não conseguem, sempre tem uma confusão. Se é uma lei votada pela Assembleia, não há irregularidade. Então eles começaram a dizer que teriam que receber um convite com 72 horas de antecedência (…) Todos foram convidados, mas não podemos obrigar as pessoas a irem, é como um casamento, a gente convida mas vai quem quer. Não era uma solenidade”, ressalta Mirtes.

Ao rebater as irregularidades alegadas pelo movimento durante as eleições e pós eleições, além da “não representatividade” e até mesmo um possível ato de racismo institucional a secretária negou a existência de qualquer ação que remeta ao assunto.

“Foi feita uma lei, discutida com eles ao longo dos anos com representatividade de todas as instituições. Porque eles não foram propor para a Assembleia as mudanças na lei durante a votação? Não tem como a Assembleia legislativa aprovar uma lei “ilegal”. Estranho deixarem votar, publicar e só na posse, querer fazer confusão. Se estava errado, então eles teriam que ter discutido isso com os deputados. Eu espero que essas brigas entre eles acabem, porque isso enfraquece o movimento no Estado”, lamenta a secretária.