No AM, universitárias desenvolvem teclado virtual com alfabeto em Libras

Ao ser baixado no celular, o TecLibras permite que o teclado em Libras seja inserido nos aplicativos de mensagem (Reprodução)

05 de maio de 2021

16:05

Bruno Pacheco

MANAUS – No Amazonas, universitárias do curso de Engenharia de Software desenvolveram um aplicativo de um teclado virtual com o alfabeto e números na Língua Brasileira de Sinais (Libras). Ao ser baixado no celular, o TecLibras permite que o teclado em Libras seja inserido nos aplicativos de mensagem. No momento em que o usuário tecla, ao invés de clicar nas letras do alfabeto, ele aciona os símbolos que se transformam em letras, permitindo a troca de mensagens entre surdos e não surdos.

A ferramenta tem o objetivo de ajudar a comunidade surda a ter maior acessibilidade aos meios de comunicação da internet. O projeto foi desenvolvido por Millena Sangela de Almeida, estudante da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), no município de Itacoatiara (a 270 quilômetros de Manaus), e por Geise Dioneia de Albuquerque, que atualmente estuda na Universidade de Brasília (UnB). A iniciativa, no entanto, surgiu quando ambas estudavam juntas no interior amazonense.

O aplicativo foi lançado no último sábado, 1º, e está disponível apenas para usuários do sistema Android. A versão para usuários do sistema iOS ainda está sendo trabalhada. Todo o custo com o desenvolvimento do teclado foi bancado pelas estudantes. Até essa segunda-feira, 3, de acordo com Millena, a ferramenta foi baixada mais de 370 vezes. Segundo jovem, desenvolver a ferramenta foi um sonho que começou a ser idealizado logo no primeiro período de faculdade, em Itacoatiara.

“A ideia surgiu por meio de uma disciplina, logo no primeiro período. Geise e eu pensamos em desenvolver algo que seja útil, que traga acessibilidade. Eu já tinha esse foco que pudesse ajudar uma comunidade. E, então, pensamos e se a gente criasse um teclado em libras? Pesquisamos e vimos o quanto essa nossa ferramenta poderia ser últil para a comunidade surda”, contou Millena à REVISTA CENARIUM.

Geise lembra que, inicialmente, ela precisava fazer a disciplina obrigatória do curso de Engenharia de Software e que, na época, foi proposto aos alunos desenvolver uma ferramenta que pudesse ajudar o próximo. Segundo a jovem, o aplicativo seria apenas uma ideia de pré-projeto para conclusão do curso, mas com o impacto positivo e aceitação de colegas e amigos, elas resolveram lançar o TecLibras.

“A Millena e eu, desde que nos conhecemos, sempre queríamos trabalhar com acessibilidade. Ela, por conta do padrinho dela, e eu porque tenho colegas que estudam libras e são da comunidade surda. Fizemos várias pesquisas e verificamos que não tinha nenhum aplicativo nesse sentido e hoje o TecLibras é o primeiro teclado em libras do Brasil”, enfatizou.

Aplicativo seria apenas uma ideia de pré-projeto para conclusão do curso, lembra Geise (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Inspiração

À REVISTA CENARIUM, Millena conta que sonha em desenvolver uma ferramenta que possa ajudar o padrinho dela, que é deficiente visual, e que também foi uma das inspirações dela para elaborar o TecLibras. “Meu padrinho é o real motivo de eu estar aqui no ensino superior. Foi por meio dele que eu comecei a me apaixonar pela tecnologia. Eu sempre fiz trabalho para ele como digitadora e eu fui gostando da área”, destacou.

Millena conta que sonha em desenvolver uma ferramenta que possa ajudar o padrinho dela (Arquivo Pessoal/Reprodução)

A jovem lembra que, quando ela morava com o padrinho, ela via as dificuldades do dia a dia que ele enfrentava, como ligar ou receber uma mensagem de alguém. “Por conta dessa situação, coloquei como uma meta de vida entrar em uma graduação na área da tecnologia e desenvolver algo que pudesse ajudá-lo. Meu foco sempre foi criar alguma coisa acessível”, frisou.

O teclado

O teclado funciona em todos os celulares Androids, em qualquer campo de texto, com o propósito de ser uma voz para todos usando a tecnologia para democratizar o direito de expressão. O usuário pode ativar e desativar a ferramenta sempre que desejar.

“Estamos muito felizes. Ainda fizemos uma divulgação, só publicamos no Instagram e no Facebook. Em três dias, atingimos mais de 300 downloads só com compartilhamentos de amigos. Esperamos que ele realmente seja utilizado na parte da alfabetização de crianças surdas, que ajude a comunidade surda a se comunicar e que seja um meio de aprendizado para os ouvintes que querem aprender a Língua Brasileira de Sinais”, ressaltou Millena.

“Infelizmente, hoje temos poucos aplicativos para esse público. Esperamos que seja apenas a primeira ferramenta de muitas para a comunidade surda, porque ainda haverão muitas outras”, concluiu Geise.

Dados

No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), existem mais de 10 milhões de pessoas com deficiência auditiva. Desses, 2,7 milhões possuem surdez profunda e não escutam absolutamente nada. Em todo o mundo, a estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que 900 milhões de pessoas possam desenvolver surdez até 2050.

O professor e intérprete de Libras, Rafael Matos, especialista em Línguas Brasileiras de Sinais, explica que existem duas formas de adquirir a surdez. A primeira é a congênita, que é desenvolvida ainda na barriga da mãe, e a segunda forma é a surdez adquirida, ou seja, quando ocorre por meio de doenças, o envelhecimento natural ou exposição contínua a ruídos altos.

“O que é importante falarmos dentro desse contexto é que o diagnóstico tem que ser feito por um médico. Temos históricos de surdos que, quando são crianças, as mães não percebem e acham que é normal. É preciso ser levado ao médico”, recomendou Matos.

Segundo ele, a deficiência auditiva possui graus distintos: leve, moderado, severo e o profundo. “Esses graus variam de acordo com os decibéis [escala que mede a proporção de ondas sonoras]. Um exemplo, se a criança ouve até 40 decibéis, ela já é considerada uma pessoa com perda auditiva, porém, essa perda é leve”, disse o especialista.

Sem assistência

Para o educador, nem todos as pessoas no País têm acesso à assistência com a doença. Segundo ele, por mais que hajam propostas e políticas públicas que beneficiem essa população, ainda há crianças surdas que não sabem a Língua Brasileira de Sinais (Libras).

“Existem crianças surdas que não têm acesso à educação. Existem pais de crianças surdas que não aceitam seus filhos surdos e não querem falar a realidade”, salientou Rafael. A falta de acessibilidade, segundo o especialista, está presente em municípios do interior e, também, em comunidades indígenas do Amazonas.