No Governo Bolsonaro, amazonenses comem pé de galinha e cozinham com lenha

Débora Santana, de 42 anos, mostra o almoço do dia. (Ricardo Oliveira/ CENARIUM)

28 de setembro de 2021

08:09

Marcela Leiros – Da Cenarium

MANAUS – Com o aumento no preço de produtos considerados itens básicos de sobrevivência, como a carne e gás de cozinha, amazonenses estão obrigados a viverem uma realidade diferente. Hoje, famílias de baixa renda e em situação de vulnerabilidade social não conseguem consumir carne e precisam cozinhar o alimento que conseguirem no fogão a lenha. Dados do Cadastro Único, do governo federal, o CadÚnico, que aponta para um aumento mês a mês de pessoas na miséria desde novembro de 2020, indicam que, pelo menos, dois milhões de famílias brasileiras tiveram a renda reduzida e caíram para a extrema pobreza entre janeiro de 2019 e junho deste ano.

Família em extrema pobreza é aquela com renda per capita de até R$ 89 mensais. São, em regra, pessoas que vivem nas ruas ou em barracos e enfrentam insegurança alimentar recorrente. Essa renda fica em desacordo com o preço médio do gás de cozinha que, na região Norte, já chegou a R$ 100 a botija de 13 quilos, por exemplo, e com o preço de carnes como o coxão mole, que chegam a custar, também em média, R$ 39 o quilo. As famílias vivem apenas com o Bolsa Família e, muitas vezes, até mesmo sem isso.

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A CENARIUM percorreu bairros periféricos de Manaus e encontrou a dona de casa Débora Santana, de 42 anos, que divide um pequeno barraco de madeira de três cômodos com o marido e quatro filhos no Beco Inocêncio de Araújo, bairro Educandos, zona Sul de Manaus. Atualmente, a renda da família chega a R$ 1 mil, somando os valores do Bolsa Família recebido por cada um dos filhos de Débora (R$ 212) e mais os trocados recebidos pelo marido nos serviços autônomos que realiza.

“Acho que já faz mais de um ano”, diz a doméstica sobre ficar sem consumir carne. “Nunca mais nós comemos, porque a gente come mais é peixe, galinha, mas nunca mais comemos carne”.

Débora Santana, de 42 anos, mostra a geladeira com água, pedaços de frango e peixe (Ricardo Oliveira/CENARIUM)

Nas duas geladeiras que a família possui, mas as quais quase não funcionam, só é possível encontrar água e alguns pedaços de galinha, principalmente miúdos. No fogão, o prato do dia para o almoço eram pés de galinhas guisados. Frutas e legumes em abundância não fazem parte da alimentação diária da família. “Ontem nós fizemos feijão, macarrão e salsicha. Às vezes, eles também comem salsicha com macarrão, quando não tem peixe, não tem galinha”, explicou Débora.

Sem comida, sem gás

Na mesma localidade, a dona de casa Francisca das Dores, de 59 anos, não sabia qual seria a refeição que ela, o marido e cinco netos fariam nessa segunda-feira, 27. Com a geladeira vazia e sem alimentos em casa, não seria preciso usar o fogão a lenha, geralmente utilizado para cozinhar comida, quando tem. “Só agua mesmo”, disse a dona de casa, mostrando a geladeira quase vazia.

Francisca das Dores, de 59 anos, mostra a geladeira vazia ao lado das netas (Ricardo Oliveira/CENARIUM)

Para cozinhar o alimento, a família geralmente empresta um estrutura montada especificamente para isso. Uma calota, ou tampão de roda de carro é utilizada como churrasqueira e toras de madeira dão o fogo. As netas, de 13 anos, 10 anos e as gêmeas de 7 anos, órfãs de mãe, compartilham essa realidade com a avó.

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Uma das netas de Francisca das Dores mostra onde costumam cozinhar o alimento com lenha. (Ricardo Oliveira/ CENARIUM)

Pobreza intensificada

Segundo o UOL Notícias, em dezembro de 2018, durante o Governo Michel Temer (MDB), eram 12,7 milhões na pobreza extrema. Dois anos e meio depois e, com Jair Bolsonaro na Presidência, esse número chegou a 14,7 milhões em junho de 2021.

O número de junho é o maior de famílias na miséria desde o início dos registros disponíveis do Ministério da Cidadania — a partir de agosto de 2012 — e representa 41,1 milhões de pessoas. Há ainda 2,8 milhões de pessoas na pobreza, ou com renda per capita de R$ 90 a R$ 178 mensais.