Nota técnica aponta garimpo como principal agente causador de mudança na cor da água de Alter do Chão

Documento aponta que os sedimentos naturais também contribuem para a aparência turva na água o último mês (Reprodução/Observatório do Clima)

24 de janeiro de 2022

17:01

Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

MANAUS — Uma nota técnica divulgada nesta segunda-feira, 24, pelo projeto MapBiomas (iniciativa que envolve rede colaborativa com especialistas nos biomas, usos da terra, sensoriamento remoto e ciência da computação para gerar uma série histórica de mapas anuais de uso e cobertura da terra do Brasil) constatou que a atividade garimpeira realizada do alto e médio Tapajós é um dos principais agentes causadores da mudança na cor da água de Alter do Chão, no Pará.

De acordo com os estudos dos cientistas responsáveis pela emissão da nota, “é evidente que mudanças na coloração das águas do Tapajós e de sua foz estão se tornando cada vez mais frequentes, mais intensas e coincidem com expressivo avanço das atividades garimpeiras na região”, considera o documento.

Além da influência do garimpo, o documento aponta que os sedimentos naturais também contribuem para a aparência turva na água o último mês. O lugar, conhecido como “Caribe Brasileiro”, é originalmente caracterizado como um rio de águas cristalinas (água claras), com baixa concentração de sedimentos em suspensão.

“Quando as plumas sedimentares mostrarem-se evidentes na foz do Tapajós e coincidentes ao momento de elevação do nível das águas do Amazonas, presume-se que haja injeção natural direta de sedimentos do Amazonas no Tapajós, mecanismo que tem influência na turbidez da foz do rio e de regiões adjacentes. Porém, a influência da atividade garimpeira, que se faz presente durante todo o ano, pode estar contribuindo, também, com a turbidez na foz do rio”, informa o estudo, que rastreou o caminho dos sedimentos usando imagens de satélite.

Parte da nota técnica elaborada pelo MapBiomas (Reprodução/ MapBiomas)

Garimpo e Bacia do Tapajós

Segundo o MapBiomas, a área de garimpo no bioma cresceu dez vezes nas últimas três décadas. A Amazônia concentra 94% (mais de 100 mil hectares) da área de garimpo, sendo mais de 50% potencialmente ilegais, por ocorrerem dentro em Terra Indígenas e Unidades de Conservação.

De acordo com dados da nota, a área de garimpos na bacia do rio Tapajós saltou de 21.437 (ha) em
2010 para 68.351 (ha) em 2020, uma expansão de 46.914 hectares (equivalente ao tamanho de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul). A área de garimpos detectados para o ano de 2020 é o recorde da série de dados, que conta com 36 anos de imagens de satélite.

“O garimpo ilegal na Amazônia, tanto terrestre quanto em rios (com balsas), tem crescido nos últimos anos, e uma das regiões onde este crescimento foi mais expressivo é justamente na área do Tapajós, onde triplicou nos últimos dez anos, crescendo uma área do tamanho da cidade de Porto Alegre” informa o texto.

Vale ressaltar que a iniciativa foi liderada pelo coordenador técnico do mapeamento da mineração e da zona costeira do MapBiomas, César Diniz. A nota técnica traz conclusões iniciais sendo necessário estudos mais detalhados para identificar o grau de interferência de cada fonte sedimentar.

“No entanto, há limites no que se pode fazer a partir dados orbitais. A quantificação e caracterização dos
sedimentos, seja em suspensão e/ou depositados, é uma destas limitações, e dependem do complemento de
análises de campo e laboratoriais (…) Somente com pesquisa científica e monitoramento dos aspectos hidrodinâmicos (velocidade e direção da corrente) associados a análises laboratoriais mais detalhadas, será possível quantificar o grau de contribuição de cada uma das possíveis fontes sedimentares”, pondera o estudo.

PF investiga o caso

Na última quinta-feira, 20, a Polícia Federal (PF) instaurou um inquérito policial para investigar o caso. Na ocasião, pesquisadores alertaram que o local está ameaçado em meio à exposição de fotos aéreas mostrando a escuridão do rio Tapajós, na área do distrito que pertence ao município da cidade paraense Santarém.

Peritos foram enviados para a região visando fazer um sobrevoo, nesta segunda-feira, 24, com duas aeronaves do Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), e colherem amostras da água turva em diferentes pontos do rio para análise e laudo pericial.

“Além da Polícia Federal e do ICMBio, a comitiva será composta por integrantes do Ministério Público, técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pesquisadores da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). A vistoria visa analisar, entre outras questões, a extensão da mancha que está ocasionando a mudança da coloração do rio Tapajós”, diz trecho de nota divulgada pela Polícia Federal.

Peritos foram enviados para a região com o objetivo de colherem amostras da água turva em diferentes pontos do rio para análise e laudo pericial (Divulgação/PF)

Em dezembro de 2021, imagens aéreas registradas de um sobrevoo feito pelo médico Erik Jennings Simões no rio Tapajós já mostravam a mudança na cor da água. Em um vídeo compartilhado nas redes sociais, é possível ver a água barrenta do rio, enquanto o rio Arapiuns tem a água preta, tonalidade considerada normal para o período ano.

“Rio Tapajós, 30/12/2021. Nesta época do ano, chove nos dois rios. Mas só o rio Tapajós ficou barrento. Alter do Chão, 30/12/2021. Não é a chuva que polui e suja o rio, é o homem. Você pode ajudar a salvar o Tapajós”, diz vídeo publicado pelo médico.

Leia o nota técnica na íntegra.