25 de maio de 2020
19:05
Mencius Melo
Palco das grandes discussões mundiais sobre meio ambiente e qualidade de vida, a Amazônia, em meio à pandemia, registrou uma explosão nos números do desmatamento na região. Em março de 2020, o desmatamento na Amazônia cresceu 279%, em comparação com o mesmo mês do ano passado, segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon. Os dados ainda apontam que 254 km² de floresta foram derrubados no último mês. Esse é o número mais alto registrado nos últimos dois anos.
A REVISTA CENARIUM procurou especialistas para saber o que mudou diante do sistema de preservação do maior bioma brasileiro, durante o surto que estagnou atividades pró ou contra a floresta.
‘Desmatador não faz home-office…’
O superintendente de Inovação & Desenvolvimento Institucional da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), Victor Salviati, foi enfático. “Grileiro e desmatador não faz home-office. Dados do Imazon demonstram que o desmatamento aumentou 171% em relação a abril de 2019, desses 18% foram aqui no Amazonas, majoritariamente no sul do Estado”, apontou.
Salviati avalia que as ações do poder público precisam ser mais objetivas. “O governo federal e os governos estaduais estão se articulando para conter o desmatamento. Houve ações no Sul do Amazonas, com a Força Nacional (FN), para coibir o desmatamento, mas, isso não basta”, avaliou Salviati.
“É preciso investimento estruturante nos órgãos de controle estadual e federal adicionalmente à agenda de comando-controle, é preciso também uma agenda positiva com projetos de geração de renda e empoderamento”, indicou.
“É preciso também fortalecer os órgãos ambientais e de fiscalização, investir em bioeconomia, fortalecer processos participativos locais de gestão territorial”, concluiu.
Desmatamento recorde!
O pesquisador do Programa de Pós Graduação em Ecologia (PPG -ECO) e doutorando do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Lucas Ferrante, faz coro com Salviati.
“Durante o período da pandemia, temos registrado um aumento explosivo do desmatamento na Amazônia, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostra mais que o dobro do desmatamento do ano passado, registrando um recorde nos últimos 10 anos!”, observou o pesquisador.
“O governo federal tem usado a pandemia como uma cortina de fumaça para aumentar a destruição da Amazônia”, acusou Lucas. “São ações diretas de estímulo ao desmatamento relacionadas à fala do presidente da república, somadas à política de sucateamento ambiental propiciadas pelo próprio Ministério do Meio Ambiente, onde você tem a militarização dos órgãos como IBAMA e ICMBio, e a flexibilização do Código Florestal”, apontou.
“Tudo isso, aliado à punição de agentes que estavam atuando contundentemente no combate de desmatamentos, grilagens de terra e garimpo ilegal na região, contribuem para criar esse cenário de caos onde o Governo Federal é conivente”, disparou.
Ainda segundo Ferrante, as ações pró-floresta existem, mas o que tem diminuído são as ações de fiscalização. “Estão se aproveitando da situação para aumentar o ataque à floresta durante a pandemia”, afirmou.
“Aliás, está claro para mim, que essa destruição tem sido propiciada pelas políticas públicas e pelas falas do senhor Jair Messias Bolsonaro e do seu ‘anti-ministro’ do meio ambiente, o senhor Ricardo Salles, que inclusive já foi condenado por ações maliciosas para favorecer mineradoras no Estado de São Paulo, e isso por si só, já mostra o caráter do ‘anti-ministro’, lamentou o pesquisador do INPA.
Greenpeace: ‘crime ambiental organizado…’
O porta-voz da ‘Campanha de Amazônia’ do Greenpeace Brasil, Danicley Aguiar, foi taxativo. “Infelizmente, o crime organizado – que há décadas está por trás da destruição da Amazônia – não cumpriu e nem vai cumprir qualquer medida de isolamento ou distanciamentos social”, declarou.
“Desde o início dessa pandemia, o Greenpeace Brasil vem alertando para o fato de que grileiros, madeireiros e garimpeiros não fazem home office, que se o governo continuar se omitindo ou prevaricando diante do crime ambiental organizado, em 2020, bateremos todos os recordes de desmatamento da última década”, alertou.
“Vide o fato de que, até esse mês, o INPE já emitiu alertas de desmatamento para nada menos que 405 km² de floresta – o que é mais que o dobro do mesmo período em 2019”, chamou a atenção.
Para o representante do Greenpeace Brasil, as políticas públicas adotadas pelo Brasil, são provincianas.
“Aprofundar esse modelo de desenvolvimento baseado na superexploração dos recursos naturais e na concentração da renda – e que reforça um papel de simples província agropecuária, mineral e energética do Brasil e do mundo – não nos levará ao futuro e pode nos condenar a uma eterna espera pelo desenvolvimento”, previu o porta-voz.
Sociedade parou, desmatamento não…
Danicley Aguiar ainda chamou atenção para um detalhe perigoso. “Em função das medidas de isolamento e ou distanciamento social, as organizações da sociedade civil que fazem o monitoramento da conservação da floresta e mesmo da violência contra os povos da floresta, por força do seu compromisso com a saúde pública, tiveram reduzidas, em grande medida, sua capacidade de monitoramento e análise, mas, seguem firmes sua tarefa de proteger a maior floresta tropical do mundo”, observou.
“Na contramão desse contexto, o crime ambiental organizado segue demonstrando todo seu desprezo pela lei e continua avançando sobre a floresta, levando destruição e desespero, especialmente, aos povos indígenas”, comparou.
“De janeiro a abril de 2020, as populações indígenas testemunharam um aumento 64 % na taxa de desmatamento dentro de seus territórios, quando comparado com o mesmo período de 2019”, criticou.
“Para além do desprezo com a lei e com a saúde pública, o crime ambiental organizado tem se alimentado dos claros sinais em relação ao compromisso do Governo Federal com este modelo de desenvolvimento baseado no latifúndio e na superexploração dos recursos naturais”, acusou o porta-voz do Greenpeace Brasil.
IBAMA e ICMBio em silêncio…
Até a conclusão desta reportagem, os órgãos governamentais Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e Intituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio) não se pronunciaram sobre os questionamentos feitos pela REVISTA CENARIUM.
Em seus sites institucionais não existem dados novos sobre o desmatamento na região amazônica ou quaisquer outros números que apontem para essa realidade.