Pesquisadores orientam sobre novo pico e contestam estudo que decreta ‘fim da pandemia’

Apesar de apresentar resultados divergentes sobre o fim da pandemia, pesquisadores descartam teoria de imunidade por rebanhos. (divulgação/ Agência Brasil)

24 de setembro de 2020

11:09

Carolina Givoni

MANAUS – Estudos técnicos que investigam o comportamento da pandemia de Covid-19 na capital amazonense, têm divulgado resultados divergentes sobre o fim surto da doença ao longo dos últimos dois meses. Ainda assim, boa parte dos pesquisadores tem assentido que a teoria de “imunidade por rebanho” é descartável.

Após duas semanas da divulgação do relatório elaborado por especialistas de diversas instituições, dentre elas a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), sobre um novo pico da Covid-19, a CENARIUM comparou a previsão com dados do último boletim epidemiológico, divulgado no domingo, 14, pela Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS).

Durante o intervalo de 18 dias, foi confirmado o acúmulo de 8.301 novos casos do coronavírus, com um total geral de 23 mil manauaras infectados, cerca de 27% a menos do previsto no estudo. Na ocasião anterior, a nota técnica estimava que dentro de quatro semanas, que compreendem o período entre os meses de maio e junho, cerca de 85 mil pessoas poderiam ser infectadas apenas em Manaus.

O especialista ligado ao Inpa ainda alerta que Manaus não enfrentará um único pico da pandemia, por conta do relaxamento social. (Reprodução/Internet)

A comparação ainda aponta um aumento das mortes em 79%, apesar da redução 61% nas internações pela doença. O líder da pesquisa e doutorando em biologia pelo Inpa, Lucas Ferrante, justifica que esse declínio do número de internações é resultante do isolamento social, que apesar de não ter sido mais rigoroso, suavizou a curva projetada anteriormente. Ele também critica o método cientifico utilizado pela Ufam, que por meio do projeto Atlas de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), afirmou que Manaus seria a primeira capital do País a vencer a crise sanitária.

Nova previsão

“Nas próximas duas semanas vamos observar um aumento do número de casos confirmados e mortes. No entanto, é importante ressaltar que pesquisas como as da ODS Ufam, são ‘super desconcentradas’, e não detém qualidade científica para serem divulgadas à população. Não é plausível afirmar que o vírus está se tornando mais fraco, sem verificar as variações genéticas dele. O crescimento exponencial de novos casos vai acontecer em Manaus, assim como em outras capitais que aderiram à reabertura do comércio. A preocupação aqui se dará pelo colapso dos leitos na capital em conjunto com interior”, alerta.  

O estudo contemplou pesquisadores da INPA, Ufam, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Escola de Tecnologia da Universidade do Estado do Amazonas (EST-UEA) e outros colaboradores externos. O estudo em questão foi encomendado pelo MP-AM e não sustentava a reabertura de atividades, pelo contrario, defendia um isolamento mais rígido por um período de duas semanas.

Tese logística

Segundo o coordenador do boletim elaborado pelo Atlas ODS Amazonas, Henrique Pereira, por conta da evolução do vírus, não haveriam possibilidades de uma segunda onda de contaminação de Covid-19 à curto prazo, fato que faria da capital amazonense a primeira cidade do país a superar a crise. “Todos os vírus estão competindo para se reproduzir, os menos virulentos, ganham vantagem porque se transmite em maior frequência e, depois de certo tempo, interagindo com a população hospedeira, se tornam maioria”, defendeu.

Para chegar a essa conclusão, formada pelos pesquisadores Henrique Pereira, Danilo Egle e Bruno Lorenzi, usou o modelo logístico, e não epidemiológico, para prever taxas de crescimento de casos e de óbitos. A projeção estima que o 97% das mortes por Covid-19 deve ocorrer até o dia 17 deste mês. Pereira ressaltou que a hipótese, não deve ser confundida com a imunização de rebanho, onde quase toda a população já teria tido contato com o vírus.

Para o pesquisador da Ufam Henrique Pereira, manter o isolamento social não é garantia de que o vírus não possa circular – (Reprodução/Internet)

Na avaliação da Atlas, se o modelo adotado estiver corretamente ajustado para a curva de cada um dos municípios examinados, as projeções feitas até o marco de 97% dos óbitos previstos indicam que Boa Vista, Macapá, Rio Branco e Porto Velho serão as últimas capitais localizadas na bacia amazônica a controlarem a pandemia. Essa hipótese, segundo os pesquisadores estaria relacionada com a data do início da transmissão comunitária nessas capitais.

“A aceleração da transmissão começou primeiro em Manaus; 4 dias após, em Belém e Rio Branco, depois em Macapá após 6 dias e, finalmente, em Porto Velho, em 8 dias após o início em Manaus. Porém, essas pequenas diferenças em dias não seriam suficientes para explicar o fato de em Porto Velho a curva de óbitos ainda não ter atingido sequer o ponto de inflexão, previsto para 18 de junho”, informa o boletim.

Comparativos

Em menos de 20 dias, o Amazonas apresentou um crescimento de 59% no número de casos de Covid-19, saltando de 33.508 até 27 de maio, para 56.506 em 14 de junho. Manaus concentrou 14.800 casos confirmados no mesmo período de maio e saltou para 23.101 no mesmo período, resultando em 64% de aumento.

Apesar do aumento expressivo, o número geral de internações apresentou queda de 61% dentro dos 18 dias, pois em 27 de maio, 1.002 pacientes estavam internados nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e leitos clínicos, e até 14 de junho, o número despencou para 616. Mais especificamente, as internações na UTI caíram 53% e em leitos clínicos, 65%.

Os óbitos saltaram de 1.891 para 2.492, um crescimento de 76%, mesmo com a letalidade da doença se mantendo em 5%. Em Manaus, o índice de letalidade caiu 2% apesar do crescimento das mortes.

Tabela construída a partir de consulta de dados do painel epidemiológico da Covid-19, da FVS-AM.

Conforme divulgado em 27 de maio, os cientistas do Inpa, atribuíram essas reduções à fatores cruciais como as determinações de isolamento social, que reduziram o contato entre pessoas, o fechamento de comércios, escolas e universidades, além da adesão das atividades em forma de home-office, ou o uso de máscaras por quem não poderia ficar em casa.

Recomendações

Lucas Ferrante explica que essas reduções, mesmo em meio ao crescimento de casos, estão ligadas às melhorias aplicadas nos hospitais da capital, com devido aumento no número de leitos, chegada de profissionais de saúde e à melhora na organização do fluxo do atendimento.

O especialista ainda alerta que Manaus não enfrentará um único pico da pandemia, por conta do relaxamento social. “Sem dúvida nenhuma, entre os meses de julho e agosto, a cidade dever enfrentar um pico devastador do vírus. Estamos alertando todos os tomadores de decisão, assim como o governador e o prefeito para retomar o isolamento social rigoroso”, dispara.

Para o pesquisador Henrique Pereira, manter o isolamento social não é garantia de que o vírus não possa circular. Ele defende que medidas de higiene e distanciamento social podem contribuir para redução do número de casos. “Temos que nos arriscar. Cada um está colocando seu pescoço como cientista nesse debate. Nossa teoria é da ecologia de doenças, observamos a relação entre virulência e transmissão. O que significa que não fica razoável, supor que possa acontecer uma nova onda em sequência desta, que parece estar se encaminhando para o fim”, ressalta.

Ainda assim, o pesquisador também defende o adiamento da reabertura das atividades econômicas, por conta da velocidade de transmissão do atual estado da doença, que poderá ganhar novas “roupagens”.

O pesquisador da Ufam diz que o isolamento social não é uma garantia de que a população não seja contaminada – Foto: Carolina Givoni/Revista Cenarium)

Sobre a evolução dos vírus, o biólogo do Inpa rebate a tese do colega pesquisador da Ufam, dizendo que é impossível acontecer a co-evolução do vírus na atualidade. Ele diz, que essa evolução ocorreria por seleção natural, mas não em pouco tempo. “Nós nem temos estudos genéticos que comprovem uma nova linhagem mais fraca do vírus, qualquer afirmação sem isso é meramente especulativa, tal teria de co-evolução precisaria de décadas para ocorrer, e nem tivemos uma nova linhagem de nascidos pós pandemia ainda. Essa evolução da humanidade acontece por várias gerações e não simplesmente poucos meses”, rebate.

O especialista declara que noticiar a tese da evolução sem comprovação cientifica é irresponsável por parte dos pesquisadores da Ufam, e cientistas devem ter responsabilidade ao defender hipóteses e sempre apresentar provas. “Vir a público e dizer que o vírus está menos letal, sem qualquer tipo de comprovação é uma grande irresponsabilidade. Dizer à população que a pandemia está passando, causa um impacto muito grande, pois as pessoas têm uma confiança na ciência. Não se pode dar informações desconcentrada”, finalizou Ferrante.