Queimadas na Chapada dos Veadeiros destroem segundo maior bioma da América do Sul

O clima extremamente seco e quente facilita o alastramento do fogo no Cerrado (João Paulo Guimarães/CENARIUM)

09 de outubro de 2021

19:10

João Paulo Guimarães – Da Cenarium

MANAUS – A Chapada dos Veadeiros está queimando. A imagem de um galho parecendo um pé remete para a frase de Neil Armstrong: “um pequeno passo para o homem, mas um grande passo para a humanidade”. No Brasil de 2021, esse grande passo foi dado para trás, no caminho do retrocesso. ACENARIUM esteve no local de 28 de setembro deste ano a 3 de outubro acompanhando brigadas de incêndio e pôde verificar, in loco, a batalha diária dos combatentes contra o fogo.

No Parque Nacional que fica em Goiás, a 246 quilômetros de Brasília, o fogo havia iniciado de forma violenta há 14 dias e foi debelado, parcialmente, graças, ao trabalho das brigadas do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que utilizam saberes ancestrais quilombolas para o manejo dos incêndios, e à chuva que caiu amenizando os impactos dos incêndios de origem não determinada.

Os brigadistas combatentes são, em sua maioria, quilombolas Kalunga que enfrentam dificuldades de números de voluntários, assim como de equipamento. Já os incêndios, na maioria das vezes, são causados pela ação criminosa de fazendeiros que ateiam fogo para criar pasto e esse fogo se alastra no território por meio da facilitação do clima que, nessa época do ano, é extremamente seco e quente.

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Queimadas se intensificam no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás (João Paulo Guimarães/CENARIUM)

Corte de recursos dificulta trabalho

Um grande problema e cerne de indignação dentro do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (ICMbio) são os cortes de orçamento para a atividade de combate ao desmatamento e queimada. Brigadistas do Prevfogo afirmam, à CENARIUM, que o governo federal não percebe os perigos que os biomas enfrentam, assim como os perigos enfrentados pelos brigadistas durante os percursos de longa distância para combater o fogo. 

“Uma brigadista amiga nossa caiu de uma altura de uns 4 metros. Ela quebrou a perna em uma situação de combate. O susto foi maior que a gravidade do acidente, na verdade, mas isso é um exemplo dos perigos que a gente vive no dia a dia do combate”, afirmou um brigadista que não quis ser identificado.

Com um orçamento 30% menor que em 2020, o ICMBio corre o risco de suspender os serviços de aeronaves para combate a incêndios florestais e fechar brigadas caso não seja aprovado o valor extra de R$ 60 milhões de reais para o instituto. O Orçamento de 2021 se encontra à disposição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para ser sancionado e prevê uma verba de apenas R$ 177 milhões para 334 unidades no País todo, que protegem quase 10% do território brasileiro. O valor de corte representa uma perda de R$ 72,6 milhões no montante total disponibilizado ao instituto em comparação a 2020.

Tempo seco e quente ajuda a propagar o fogo, que destrói o bioma (João Paulo Guimarães/CENARIUM)

Luta

Na noite do dia 27 foram identificados focos de incêndio na Fazenda Luiza de Melo, próximo, alguns quilômetros, do território quilombola Kalunga do Engenho II. A estrada de terra e piçarra para chegar ao local indicado pelo satélite impôs dificuldade para localizar os focos, pois não havia sinais de queimada, como o cheiro de fumaça ou a luz avermelhada de alerta que fica no céu sempre que um incêndio florestal se inicia.

Sem o céu vermelho e laranja, foi possível encontrar uma viatura do Prevfogo que retornava para a base no município de Cavalcante. Os brigadistas, já exaustos do combate, avisaram que as chamas estavam controladas. Eles chegaram no local às 16h daquele dia e conseguiram controlar o fogo quando já passava das 21h por combate direto, conforme explicou um dos brigadistas kalunga. Eles também contam que a área é de fazendas e um dos fazendeiros tocou fogo para fazer a brota, como denominam o crescimento do capim para o gado.

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Brigadistas enfrentam altas temperaturas para combater o fogo (João Paulo Guimarães/CENARIUM)

E dessa forma o fogo vai crescendo descontrolado, pois não existe preocupação em executar a limpeza do terreno ao redor de onde se cria o fogo, prática conhecida como “aceiro”. A ação do vento forte na serra faz o resto do trabalho, levando faíscas para outros lados e iniciando outros focos menores que logo se transformam em grandes queimadas.

CENARIUM conseguiu fazer o percurso de 3 quilômetros a pé até o foco controlado que, mesmo sob controle dos brigadistas, ainda impunha medo. Os brigadistas e a reportagem se retiraram do local assim que a trilha se mostrou uma ameaça para a segurança e deixaram a área às 23h quando mais dois focos distantes se iniciaram. O fogo já havia se estendido por quilômetros de distância desta localização.