Representantes do setor audiovisual questionam inação da Ancine na Câmara Federal

Audiovisual passa por entraves desde 2018, segundo representantes do setor (Reprodução/Getty Images)

05 de abril de 2021

18:04

Alessandra Leite

MANAUS – Uma audiência pública promovida na Câmara Federal em Brasília nesta segunda-feira, 5, debateu a luta do setor de audiovisual brasileiro. Os parlamentares da Comissão de Cultura articularam ações para liberar recursos financeiros da Agência Nacional do Cinema (Ancine), destinados ao pagamento e à contratação de pelo menos mil projetos espalhados por todo o País.

Convidado pela presidente da Comissão de Cultura, deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), para participar da audiência pública virtual “Políticas da Ancine para apoio à produção audiovisual”, o diretor-presidente substituto da Ancine, Alex Braga Muniz, enviou uma justificativa para a ausência. Ele alegou questões como a provisoriedade do seu cargo e o “interesse das partes em processos judiciais ainda em curso”.

“Nesse sentido, agradeço e sinto-me honrado com o convite. Entretanto, declino respeitosamente, tendo em conta que os demais participantes do debate são partes interessadas em processos judiciais ainda em curso. Nesse sentido, a participação no referido debate pode comprometer tanto a representação judicial da agência quanto o exercício individual do direito de defesa dos diretores. Informo ainda o caráter provisório dos cargos de diretores, onde estamos na qualidade de substitutos e a iminência do término do meu mandato, em maio deste ano”, disse o ofício lido por Alice.

Requerimento

Segundo a presidente da Comissão de Cultura, Braga foi convidado como principal palestrante. “Ele foi chamado para essa audiência pública no sentido de poder conversar acerca das dificuldades em dar prosseguimento, em dar provimento aos processos do audiovisual brasileiro, muitos deles parados, aprovados e sem possibilidade de garantir a sua concretização, em função do que muitos têm chamado de um apagão de canetas”, disse Portugal.

A parlamentar ressaltou, ainda, que após o recebimento do ofício, fez contato telefônico com o diretor da Ancine, com a intenção de trazê-lo ao debate, mas não obteve sucesso. O requerimento para a audiência pública nasceu da dificuldade e do acúmulo de processos e projetos sem provimento da Ancine. “É uma situação muito grave. Nós estamos desde 2019 fazendo todas essas reivindicações”, ressaltou.

Importância

Para a representante da Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro (API), Cíntia Domit Bittar, é preciso prestar atenção no discurso de provisoriedade proferido pelos diretores substitutos. “É preciso estar atento ao que isso significa. Quando se fala em diretoria provisória, é mais uma razão para nós pressionarmos por uma reconstituição da agência. Uma nomeação de pessoas, com sabatina, como deve ser feito. Essa coisa provisória pode estar afetando outros trâmites dentro da Ancine”, declarou.

Bittar frisou, ainda, a importância do setor para geração de renda e, consequentemente, para o desenvolvimento do Brasil. “A gente gera emprego, gera renda. Cada projeto é como se fosse uma pequena empresa. Nós somos aliados do desenvolvimento. Não é um bom negócio para o País manter a Ancine travada desse jeito”, afirmou.

Outro participante da audiência pública, o representante da Brasil Audiovisual Independente, Mauro Garcia, questionou o que ele chamou de não uso dos recursos setoriais pela Ancine, o que caracteriza um descumprimento legal. “As agências reguladoras foram criadas para atuar como mediadores entre o mercado e o executivo. Hoje a Ancine se vê subordinada à Secretaria Nacional de Cultura. O que estamos vivendo na Ancine em relação ao audiovisual, além de todas as questões ideológicas já conhecidas têm origem no descumprimento de uma base legal, que criou a agência e que está bem explícita na Constituição Federal”, destacou, citando o artigo 221, que se refere à promoção da cultura nacional e regional.

Setor no Amazonas

Para o produtor audiovisual Gustavo Soranz, há uma paralisia proposital da Ancine, com indícios de descumprimento das funções administrativas na regulação e fomento da atividade audiovisual, por meio do Plano Anual de Investimento (PAI). “Anualmente, a Ancine deve aprovar um PAI, para o qual os recursos vêm sobretudo da Condecine, um imposto que é próprio do setor e volta para o Fundo Setorial do Audiovisual. Esse recurso leva, por ano, cerca de R$ 1,4 bilhão para o governo federal”, disse o produtor. Soranz relata que a Ancine não divulga o PAI desde 2018, contudo, o imposto continua sendo arrecadado.

Segundo Gustavo, a Ancine não reinveste o valor destinado à cadeia produtiva do audiovisual. “Esse recurso deveria estar sendo destinado a fomentar o setor por meio de editais de financiamento que estavam sendo implementados e funcionando plenamente até 2017. Em 2018, tudo já foi ficando bem difícil e alguns editais do ano de 2018 foram pagos e outros ainda não. Desde então, não há novos editais ou novos PAI”, afirmou.

Atuação

O produtor explica que não se trata de fomento a fundo perdido e sim de investimentos. “Os produtores precisam retornar o investimento em um prazo de tempo determinado, a depender de certos critérios específicos definidos em cada edital”, ressaltou. Na avaliação de Soranz, o setor está estrangulado, pois várias produtoras que surgiram e se equiparam nos últimos anos, quando o mercado estava aquecido, fecharam as portas. “É um projeto deliberado de destruição”, finalizou, referindo-se ao atual governo federal.

Em dezembro de 2020, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública por improbidade administrativa (além de tutela de urgência) contra os diretores Alex Braga Muniz, que hoje está como presidente substituto na Ancine; Edilásio Santana Barra Júnior e Vinícius Clay Araújo Gomes.

Além do procurador da agência, Fabrício Duarte Tanure. A ação de número 5093858-30.2020.4.02.5101, do MPF do Rio de Janeiro, pede a perda da função pública dos diretores, suspensão dos seus direitos políticos por cinco anos e pagamento de multa civil equivalente a cem vezes o valor de seus respectivos salários, além de proibir a contratação e benefícios pelo poder público durante o período de três anos.

Assista à sessão

(Reprodução/Youtube)

Leia o requerimento do MPF

Edição: Carolina Givoni