‘Sem a realização do Censo, Estado perde a capacidade de gerenciamento’, explica sociólogo

O orçamento destinado ao Censo demográfico inviabiliza até os preparativos para o levantamento em 2022 (Diviulgação IBGE)

26 de abril de 2021

16:04

Matheus Pereira

MANAUS – Sem previsão orçamentária, o Censo Demográfico de 2021 não será realizado, segundo confirmou o secretário de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, na última semana. Para o sociólogo, Luiz Antônio Nascimento, sem a realização do Censo, o Estado perde a capacidade de gerenciamento e exemplifica as possíveis consequências de não ter os dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“A finalidade do Censo é identificar o perfil, as características, os problemas, a dinâmica social, econômica e política do país, e a partir disso, você conseguir enfrentar os problemas. Por exemplo: onde estão nascendo mais crianças? Estão nascendo mais crianças em determinados lugares, então se essas crianças estão nascendo hoje eu consigo planejar a oferta de educação e de saúde de primeira infância naqueles locais. Se não faz o Censo do IBGE, você vai deixar uma lacuna, e o Estado perde a capacidade de gerenciamento. É como se um gerente de banco não soubesse quantos clientes tem e tão pouco quanto cada um desses clientes movimenta”. explicou.

O sociólogo faz analogias para explicar a importância do Censo para o país e afirma, o Censo do IBGE é como se fosse um checkup. “Aquele sujeito que vai ao médico a cada dois, três, quatro anos e faz exames para saber como está a saúde, como está os problemas e para saber o que pode fazer para continuar tendo uma boa saúde e interferir onde tem problemas, para poder corrigir”.

Em outra analogia, Nascimento aponta que o Censo é como um painel utilizado por pilotos de avião para terem o direcionamento correto nas viagens e tomarem as decisões corretas. “Imagina quando você entra em um avião, você tem o painel que os pilotos utilizam. Aquilo ali dá a garantia de que o voo será seguro e tranquilo. Agora você imagina se esse piloto levanta voo e cinco minutos depois o painel apaga. Ele não vai ser capaz de planejar, de olhar para frente e nem de voltar, se ele não tem as informações que precisa. Então, o Censo é extremamente importante”, explicou o sociólogo.

Como o último Censo foi realizado em 2010, essa lacuna sem colhimento de informações influenciam diferentes aspectos da realidade socioeconômica no Brasil, como explica a geógrafa Paola Verri. “A não realização do Censo impede a necessária atualização dos efetivos populacionais em níveis federal, estadual e municipal. Estes últimos são dependentes, ora mais ora menos, de seus respectivos Fundos de Participação dos Municípios. Os Fundos constituem um dos exemplos mais citados daqueles recursos públicos, transferências orçamentárias, que correspondem a um rateio com base numa proporção da população de cada municipalidade. Com recurso as prefeituras financiam parte de suas ações a fim de executar políticas públicas”, explicou Verri.

A geógrafa explica ainda que o Censo é importante em vários aspectos e os dados levantados servem ainda para uma melhor observação da realidade, não só dos governos, mas também de diferentes segmentos da sociedade. “Por dentro do executivo há sim as formulações de políticas e a realização de programas e ações sociais, urbanas, econômicas. Nas ONGs, pesquisadores, acadêmicos e a iniciativa privada representam verdadeiros observadores críticos do que o Estado pode ou não estar realizando”, apontou.

Para se ter ideia da defasagem dos dados, em 2010, a população do Brasil era de 190.755.799 e a estimativa atual é de 213.001.356 de pessoas vivendo em solo brasileiro. Ou seja, em 11 anos, a população teve um crescimento de 22.245.557. Sem Censo não é possível ter informações sobre a situação de vida em cada um dos municípios e localidades do País.

Luiz Antônio explica que a não realização do Censo pode ter influências nas relações internacionais, já que o Brasil faz parte de um conjunto de organizações mundiais e é signatário de um conjunto de acordos e tratados firmados ao redor do mundo. “As informações colhidas pelo IBGE dão confiança e confiabilidade nos dados sobre educação, sobre saúde, sobre economia, sobre empregos, sobre violência e sobre mortalidades. Enfim, são muitas informações e quando o Brasil não produz essas informações ele passa a não ter mais credibilidade nessas organizações internacionais”, afirmou.

Preocupação da direção do IBGE

Ainda em março, a então presidente do IBGE, Susana Cordeiro Guerra, e o então diretor de pesquisas, Eduardo Rios-Neto, publicaram um artigo no jornal O Globo alertando que a decisão de cortar as verbas para o Censo é extremamente preocupante para o país.

“Um eventual adiamento para 2022 aumentaria o risco de sua realização, por se tratar de um período em que as restrições orçamentárias serão ainda maiores do que em 2021. Além de ser um instrumento fundamental para o pacto federativo e a calibragem da democracia representativa, a contagem da população permite a determinação dos públicos-alvo de todas as políticas públicas nos âmbitos federal, estadual e municipal”, apontaram.

Em sua carta de despedida da presidência do IBGE, Susana Guerra afirmou que a importância do Censo é reafirmada pelo próprio contexto de pandemia. “O Censo é crítico nesse processo, uma vez que só ele será capaz de revelar, com precisão, essa realidade”.

Censo 2022 também está comprometido

Na tramitação para a aprovação do orçamento de 2021 no Congresso, os valores destinados ao Censo foram reduzidos de R$ 2 bilhões para R$ 71 milhões. Porém, ainda no último dia 23, o presidente Jair Bolsonaro impôs um veto na lei do Orçamento que reduziu novamente o valor, desta vez para apenas R$ 53 milhões.

De acordo com o Sindicato Nacional dos Servidores do IBGE (Assibge), o orçamento destinado ao Censo demográfico é insuficiente e inviabiliza até os preparativos para o levantamento em 2022. “Com o valor designado para o Censo em 2021, depois do corte feito, não serão realizadas etapas centrais para a realização do Censo em 2022. Precisamos agir com urgência, necessitamos garantir orçamento de pelo menos 239 milhões em 2021 para não comprometermos o Censo que precisa ir para as ruas no próximo ano”, diz trecho da nota do sindicato.

Em nota, o IBGE informou que retomará as tratativas com o Ministério da Economia para planejamento e para promover a realização do Censo em 2022, de acordo com cronograma a ser definido em conjunto com o ministério. O instituto informou ainda que as orientações relacionadas ao processo seletivo para censitários – agente censitário municipal (ACM), agente censitário supervisor (ACS) e recenseador – serão anunciadas assim que possível.