STF retoma julgamento sobre marco temporal nesta quarta-feira, 1º

Com previsão para iniciar às 14h, STF vai fixar a interpretação jurídica dos direitos dos povos indígenas sobre suas terras (Adriano Machado/Greenpeace)

01 de setembro de 2021

07:09

Cassandra Castro – Da Cenarium

BRASÍLIA – O movimento indígena brasileiro aguarda com ansiedade a continuação do julgamento do marco temporal previsto para acontecer nesta quarta-feira, 1º de setembro. A matéria começou a ser julgada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), na quinta-feira, 26, mas a apreciação do tema acabou sendo suspensa após a leitura do relatório inicial feita pelo ministro Edson Fachin.

Cerca de seis mil indígenas de 176 povos de todas as regiões do País estiveram mobilizados no período de 22 a 28 de agosto no acampamento “Luta pela Vida”, em Brasília, para acompanhar o julgamento e lutar em defesa de direitos fundamentais, protestando também contra a agenda anti-indígena do Governo Bolsonaro e do Congresso Nacional, na maior mobilização indígena dos últimos 30 anos.

Como vai ser o julgamento

Com previsão para ter início às 14h, a sessão vai ser retomada com as sustentações orais das partes envolvidas no processo: da Advocacia-Geral da União (AGU), representando a União; dos advogados da comunidade Xokleng, da TI Ibirama-LaKlãnõ (SC), alvo da ação original; do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (IMA), que propôs a ação; além da Procuradoria-Geral da República (PGR), que se manifesta obrigatoriamente em processos envolvendo a temática indígena.

A AGU, PGR e as partes do processo terão, cada uma, 15 minutos de fala. Em seguida, devem ocorrer as 34 falas dos chamados “amicus curiae – amigos da Corte”, pessoas ou organizações que auxiliam as partes mais diretamente interessadas no caso e oferecem subsídios aos ministros e ministras que deverão proferir seus votos na sequência do julgamento.

Vinte e um amicus curiae favoráveis aos direitos dos povos indígenas estão cadastrados para falar. Entre eles, organizações e instituições indígenas e indigenistas, socioambientalistas e de direitos humanos, além de 13 contrários, ligados a representações e entidades do agronegócio. Cada fala terá até cinco minutos.

Fachada do Supremo Tribunal Federal (Divulgação/CNJ)

A expectativa é de que as sustentações orais das partes, da AGU, da PGR e dos amicus curiae ocorram por quase toda a tarde de quarta-feira (1º).  A seguir, o primeiro a proferir seu voto deve ser o relator Edson Fachin. Depois dele, os outros nove ministros devem apresentar os votos. Eles ainda podem solicitar uma nova suspensão do processo para o analisar melhor, o chamado pedido de “vistas”.

Uma das lideranças indígenas que continua em Brasília, o tuxaua Cícero Perez, da Terra Indígena (TI) Anaro, na região do Amajari (RR), acredita muito que os ministros irão reconhecer os direitos que os indígenas têm. Ele vive em uma área que até hoje depende de uma decisão judicial para ser reconhecida oficialmente como Terra Indígena.

Teses em disputa

A Corte irá analisar a reintegração de posse movida pelo Governo de Santa Catarina , referente à TI Ibirama-Laklãnõ, onde vivem os povos Xokleng, Guarani e Kaingang. O caso recebeu, em 2019, status de “repercussão geral”, o que significa que a decisão servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios. No centro da disputa há duas teses:

A tese do chamado “marco temporal”, uma tese ruralista que restringe os direitos indígenas. Segundo esta interpretação, considerada inconstitucional, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Essa tese é defendida por empresas e setores econômicos que têm interesse em explorar e se apropriar das terras indígenas.

Oposta ao marco temporal está a “teoria do Indigenato”, consagrada pela Constituição Federal de 1988. De acordo com ela, o direito indígena à terra é “originário”, ou seja, é anterior à formação do próprio Estado brasileiro, independente de uma data específica de comprovação da posse da terra (“marco temporal”) e mesmo do próprio procedimento administrativo de demarcação territorial. Esta tese é defendida pelos povos e organizações indígenas, indigenistas, ambientalistas e de direitos humanos.