‘Taxação de livros proposta pelo Governo Bolsonaro pode elitizar literatura’, diz especialista

09 de abril de 2021

17:04

Matheus Pereira

MANAUS – Em um documento sobre a reforma tributária publicado nesta semana, a Receita Federal afirmou que pessoas mais pobres não consomem livros não didáticos e defendeu a tributação desses produtos como forma de enfocar políticas públicas. Para o editor de livros e presidente da editora Valer – responsável pela publicação de diversos escritores amazonenses -, Isaac Maciel, a taxação proposta pelo governo pode tornar a aquisição de livros ainda mais elitista.

“As condições são muito precárias de quem ganha dois salários mínimos para poder destinar parte significativa desse recurso para aquisições de livros e de outros bens culturais. Mas, isso não justifica aumentar o preço desses livros, fazendo com que uma faixa ainda maior que essa também não possa adquirir”, afirmou Maciel.

No documento “Perguntas e Respostas” da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), um dos pontos é explicado porque o novo tributo será cobrado na venda de livros. A Receita Federal usa dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para justificar que a isenção de impostos sobre esses itens acaba beneficiando apenas a camada mais rica da população.

“De acordo com dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2019, famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros não didáticos e a maior parte desses livros é consumida pelas famílias com renda superior a dez salários mínimos”, diz trecho do documento.

Ainda de acordo com o Fisco, dada a escassez dos recursos públicos, a tributação dos livros permitirá que o dinheiro arrecadado possa ser objetivo de políticas focalizadas, assim como é o caso dos medicamentos, da saúde e da educação no âmbito da CBS. A Receita aponta ainda que não existem avaliações que indiquem que houve redução do preço dos livros depois que a isenção foi concedida.

O papel social da literatura

Em uma região com locais mais isolados como a amazônica, o livro exerce um papel social fundamental, já que pode chegar a lugares onde outras formas de informação e conhecimento não podem. Isaac aponta que a leitura de livros é necessária tanto em centros mais desenvolvidos quanto em mais isolados.

“A leitura é necessária para formar uma consciência cidadã, para fazer com que a pessoa tenha conhecimento do meio em que vive, de si próprio e dos outros, já que a leitura dos livros não didáticos faz com que as pessoas adquiram experiências e vivências por meio da simulação que está inserida nos livros literários. Os poetas e os escritores são antenas do mundo. Eles captam os pensamentos e as tendências, e algumas das coisas que os escritores captaram há séculos atrás e continuam válidas até hoje. Por isso, é necessário que a leitura seja permitida, seja garantida e que todos tenham acesso a ela”, apontou o editor.

A estudante de letras Luana Almeida conta que adquiriu o hábito de leitura a partir da compra de um livro em um catálogo de uma marca de produtos de beleza, que revende livros de capa fina por um preço acessível. Luana destaca como a literatura influenciou diretamente na sua vida. “A partir daí minha vida mudou, desde a forma de falar até minhas interpretações de texto e falas. A leitura ampliou meu vocabulário, me tornando confiante para falar em publico, abriu a minha mente para diversos assuntos, os quais hoje sei debater e, principalmente, me incentivou a querer aprender mais”, contou.

Brasileiro tem lido cada vez mais

Caso seja aprovada, a tributação de livros poderia ser responsável por frear o aumento no número de leitores no Brasil. De acordo com dados da 5ª edição da pesquisa Retratos da Literatura no Brasil, de 2019, a estimativa é que 52% dos brasileiros se consideram leitores. Ainda segundo a pesquisa, de 2007 a 2019, o número de leitores no Brasil subiu de 95,6 milhões para 100,1 milhões. Na região Norte, o aumento no mesmo período foi de 2,8 milhões de leitores, já que em 2007 eram 7,5 milhões e em 2019 foi para 10,3 milhões.

Apesar de mostrar que a classe mais rica da população consome mais livros, a Retratos da Literatura no Brasil também mostra que 46% das pessoas com renda familiar de menos de um salário mínimo são leitoras. Na faixa salarial seguinte, que recebe de um a dois salários mínimos, 51% têm o hábito de ler.

A pesquisa aponta ainda que a média de livros lidos, seja inteiro ou em partes, por ano também cresceu. Em 2007 a média era de 4,7 livros lidos e pulou para 4,95 livros em 2019. Na região Norte, o crescimento desse número foi ainda maior. A média de livros lidos por ano subiu de 3,9 em 2007 para 5,3 em 2019.

Livro tradicional é preferência nacional

Mesmo com o surgimento de novas formas de ler, segundo a Retratos da Literatura no Brasil, 67% dos leitores de literatura preferem ler livros impressos, da maneira tradicional. Ainda segundo a pesquisa, 44% das pessoas, não necessariamente leitores, já ouviram falar em livros digitais.

Apesar do aumento do uso de plataformas digitais, como o próprio celular, o computador e os dispositivos como o Kindle, apenas 17% dos leitores preferem ler nessas plataformas, enquanto outros 16% preferem ler em ambos.

Edição: Carolina Givoni