Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau registra recorde de queimadas e a pior qualidade do ar em todo o País
27 de agosto de 2024
14:08
Lucas Ferrante – Especial para Cenarium**
MANAUS – Nesse domingo, 25, a Terra Indígena do povo Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, registrou um recorde de queimadas criminosas, acompanhadas por um nível alarmante de poluição atmosférica.
Uma estação permanente na área registrou um índice de 504,6 µg/m³ de PM2.5, números superiores até mesmo aos observados em Manaus durante o pico da fumaça em 2023. Para referência, índices de 0 a 25 µg/m³ de particulado PM2.5 são considerados de boa qualidade do ar, enquanto valores acima de 125µg/m³ de particulado PM2.5 são considerados péssimos.
A medição na Terra Indígena revela um nível de poluição até quatro vezes superior ao limite considerado péssimo. O Estado de Rondônia, de forma geral, tem registrado os piores índices de qualidade do ar no Brasil neste domingo, 25.
A elevada taxa de poluição é uma preocupação significativa, especialmente considerando a alta suscetibilidade dos povos indígenas a doenças respiratórias. Este problema, combinado com as condições socioeconômicas precárias das comunidades, representa uma ameaça considerável para essas populações, como destacado pelo periódico científico Science.
Preocupantemente, o projeto Queimadas do Inpe não estava atualizando os focos de queimadas em tempo real neste domingo, com dados disponíveis apenas até sábado, 24 de agosto, antes do recorde de incêndios em todo o país. As últimas atualizações do portal são das 18h41 do sábado.
A Terra Indígena do povo Uru-Eu-Wau-Wau tem sido invadida por pecuaristas, que utilizam a área ilegalmente para a criação de gado, inclusive por grandes empresas como a JBS. Em 2019, no início do governo Bolsonaro, as comunidades indígenas da área foram expulsas por grileiros e pecuaristas que invadiram a reserva, ameaçando decapitar todas as crianças indígenas caso os Uru-Eu-Wau-Wau retornassem ao seu território, conforme denunciado por um estudo publicado no periódico científico Environmental Conservation, editado pela Universidade de Cambridge.
Em março de 2021, o grupo francês Casino, controlador de Pão de Açúcar, Assaí e Extra Hiper, foi processado na Justiça da França por vender carne de fornecedores ligados ao desmatamento ilegal na Amazônia, incluindo fazendas na região do Burareiro, área da região da Terra Indígena do povo Uru-Eu-Wau-Wau que concentrou os incêndios deste domingo.
O caso está relacionado à Lei de Vigilância de 2017, que exige que grandes empresas francesas garantam que suas operações e subcontratados não causem violações de direitos humanos ou danos ambientais. Embora o Casino afirme manter um rigoroso controle sobre sua cadeia de fornecedores, uma investigação do Laboratório InfoAmazônia no ano passado, em colaboração com o Centro para Análises de Crimes Climáticos, revelou que os supermercados do grupo no Brasil continuam vendendo carne de áreas protegidas.
A análise, que cobriu mais de 500 mil registros de movimentação de animais entre 2018 e 2022, mostrou que abatedouros da JBS em Rondônia receberam gado de terras indígenas e outras áreas protegidas após a abertura do processo. Os dados aqui observados mostram que pecuaristas e grileiros têm intensificado a pressão no território dos Uru-Eu-Wau-Wau apontando pela necessidade de medidas mais rígidas contra pecuaristas ligados ao desmatamento no Brasil.
Os dados aqui apresentados mostram como a migração da pecuária na Amazônia ameaça territórios indígenas e como as autoridades e órgãos de fiscalização têm tido dificuldade em proteger esses territórios. Atualmente, um novo ciclo de expansão da pecuária, do arco do desmatamento para a Amazônia central, tem sido observado de Porto Velho, em Rondônia, até Manaus, no Amazonas, ao longo da rodovia BR-319, conforme reportado pelo periódico científico Nature.