Dirigente desportivo associa homossexualidade a estupro: ‘Todos sabiam a situação dele’

À esquerda, o presidente da Federação Amazonense de Voleibol (FAV), Tadeu Picanço, e à direita, o ex-técnico de voleibol amazonense da "categoria sub-16" Walhederson Brandão Barbosa (Edição: Mateus Moura/Revista Cenarium Amazônia)

14 de novembro de 2023

21:11

Marcela Leiros – Da Agência Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – O presidente da Federação Amazonense de Voleibol (FAV), Tadeu Picanço, associou a homossexualidade do técnico de voleibol da “categoria sub-16” da FAV, Walhederson Brandão Barbosa, a crimes aos quais ele é acusado pela Polícia Civil do Amazonas (PC-AM). Barbosa é suspeito de estupro de vulnerável, exploração sexual infantil, favorecimento à prostituição e armazenamento de imagens contendo cena de sexo com menores de 18 anos.

Todo mundo sabia da situação dele, de homossexual. Não é só ele, tem vários, mas jamais passou pela minha cabeça que ele ia chegar a esse ponto. A gente sempre procurou não discriminar ninguém, dar oportunidade a todos e, às vezes, as pessoas ‘pisam na bola’ e acaba atingindo uma instituição que tem 50 anos, que sempre preservou pela clareza, dedicação e desenvolvimento do voleibol“, disse o presidente da federação em áudio enviado à reportagem da AGÊNCIA CENARIUM AMAZÔNIA.

Walhederson Brandão foi preso durante a “Operação Bloqueio“, deflagrada pela Delegacia Especializada de Proteção à Criança e Adolescente (Depca), da Polícia Civil do Amazonas, nesta terça-feira, 14. Ele foi encontrado na casa dele, na cama, com dois adolescentes. Até o momento, a polícia tem informações de 12 vítimas do professor, mas o número pode ser maior. Segundo a polícia, a federação tinha conhecimento de que o técnico violentava, sexualmente, alunos em troca da promessa de torná-los atletas profissionais.

Walhederson Brandão Barbosa foi preso nesta terça-feira, 14 (Divulgação/Polícia Civil do Amazonas)

Em entrevista à CENARIUM, o presidente da FAV disse, ainda, que já havia “ouvido conversas” sobre condutas do técnico, mas argumentou que a federação nunca recebeu uma denúncia formal. A delegada responsável pelo caso, Joyce Coelho, afirmou que a instituição sabia do caso e abriu sindicâncias internas para apurar as denúncias, sem levar o caso à polícia. A Federação Amazonense de Voleibol (FAV) pode responder por omissão.

“A federação nunca, em nenhum momento, chegou para ela qualquer tipo de denúncia formal, as conversas acontecem. E o que a gente fez: nós fomos em busca de informações nos órgãos de proteção à criança e ao adolescente, e esses órgãos, todas as vezes que a gente procurou, não tinham nenhuma denúncia contra ele, as certidões negativas dele foram sempre sem nada, sem nenhuma ocorrência. E, se ele fez isso, deve ter sido feito longe de qualquer tipo de ato da federação”, rebateu Tadeu Picanço.

Denúncias formais

Durante entrevista coletiva sobre o caso, a delegada Joyce Coelho apontou uma possível omissão da Federação Amazonense de Voleibol (FAV). “Várias vítimas já relataram que fizeram denúncias formais na federação, e a federação apenas fez sindicâncias internas, mantendo o treinador no cargo, ou seja, deixando o treinador ter acesso aos adolescentes, conviver com os adolescentes e levar os meninos a motéis e para dentro de casa“, disse ela.

Em nota oficial, a FAV afirmou que nunca encontrou “qualquer tipo de ocorrência que levasse ao conhecimento das atitudes repugnantes do envolvido“. A federação também repudiou os fatos envolvendo o treinador Walhederson Brandão Barbosa, se colocando à disposição dos órgãos competentes. O técnico foi suspenso de todas as atividades e teve registro nacional de treinador no Sistema Nacional de Registro suspenso por tempo indeterminado. (Veja a nota completa no fim da matéria).

Promessa profissional

De acordo com a Polícia Civil, Walhederson violentava sexualmente alunos em troca da promessa de torná-los atletas profissionais. A polícia informou ainda que o técnico explorava sexualmente os próprios alunos, que tinham entre 15 e 17 anos, e que os crimes eram cometidos há mais de 20 anos. “Há relatos de homens, com até 25 anos, que passaram pelo mesmo abuso durante a infância e a adolescência”, disse a delegada, afirmando que a polícia iniciou a investigação três meses após ter acesso a um vídeo sexual do técnico com dois jovens.

Delegada Joyce Coelho, titular da Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente; e o delegado Bruno Fraga, delegado-geral da PC-AM (Ana Pastana/Revista Cenarium Amazônia)

modus operandi do técnico de voleibol, segundo a investigação, consistia em se aproveitar do fácil acesso e influência sobre estudantes de escolas públicas e particulares. Com isso, ele aliciava adolescentes que sonhavam em ser jogadores profissionais da modalidade, com promessas de ascensão no esporte, seja como integrante da Seleção Amazonense ou com a promessa de enviar os jovens para fora do Estado.

Há quase 20 anos ele atua da mesma forma. A gente imagina que há um número muito maior de vítimas. Havia relatos de que ele acabava trazendo meninos do interior, bancava os meninos na casa dele. Encontramos seis meninos residindo na casa, inclusive, um garoto de Nova Olinda do Norte [interior do Amazonas], que os pais confiaram nele para orientar o garoto; chegava a ser responsável [pelos alunos] na escola“, explicou.

Joyce Coelho pontuou, ainda, que o ato de movimentar os adolescentes, trazendo-os de outras cidades para Manaus, com o intuito de aliciá-los, é característico do crime de tráfico humano, conduta que ainda está sob investigação. Ainda não há indicação da conivência dos pais dos jovens nos casos.

A maioria desses garotos estão em vulnerabilidade socioeconômica, e eles acabam pesando essa situação e achando uma troca justa [sexo por moradia]. Não é só a troca financeira, é a troca pelo crédito no celular, pelo tênis que rasgou, pela camisa“, disse.

Leia a nota da FAV

A Federação Amazonense de Voleibol repudia veementemente os fatos envolvendo o treinador
Walhederson Brandão Barbosa e se coloca à disposição dos órgãos competentes para qualquer
esclarecimento.

A Federação Amazonense de Voleibol reafirma que não tolera qualquer tipo de assédio e que
seus profissionais devem ter, além da competência que o cargo exige, compromisso com a conduta
pessoal. Enquanto as autoridades tomam as devidas providências, a FAV opta por suspender o
referido técnico de todas as atividades oficiais desta federação, bem como suspender por tempo
indeterminado o registro nacional de treinador no Sistema Nacional de Registro.

A Federação Amazonense de Voleibol, em nenhum momento, em busca de qualquer atitude
nociva de treinador, encontrou qualquer tipo de ocorrência que nos levasse ao conhecimento das
atitudes repugnantes do envolvido.

Editado por Yana Lima
Revisado por Adriana Gonzaga