Entenda função do comitê contra tortura, alvo de polêmica envolvendo esposa de ‘Tio Patinhas’

Luciane Farias é esposa de líder de facção do Amazonas (Freepik)

26 de novembro de 2023

10:11

Jefferson Ramos – Da Agência Amazônia

MANAUS (AM) – Nas últimas semanas, o Comitê de Prevenção e Combate à Tortura do Amazonas (CEPCT-AM) ocupou as manchetes nacionais por conta da viagem a Brasília de Luciane Barbosa Farias, mulher de Clemilson dos Santos Farias, conhecido como “Tio Patinhas”, líder de facção no Amazonas, para encontro nacional de comitês contra tortura.

A viagem foi custeada pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. O Ministério confirmou o pagamento, mas informou que liberou a passagem por indicação do comitê do Amazonas. Desde então, o CEPCT-AM virou alvo de críticos da agenda de direitos humanos.

Luciane Farias, esposa de líder de facção do Amazonas (Reprodução/Redes Sociais)

A presidente do órgão que integra a estrutura da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc), advogada Natividade Maia, explicou à REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA que a existência do comitê é baseada em tratados internacionais de direitos humanos que o Brasil é signatário.

Fachada da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Divulgação)

Natividade enfatiza que o comitê contra tortura visa garantir a dignidade da pessoa humana, um princípio fundamental da Constituição brasileira. Segundo ela, o comitê não tem a prerrogativa de inspecionar presídios, mas a maioria das denúncias recebidas envolve torturas em presídios e durante abordagens policiais.

Dignidade humana

“As unidades prisionais são os locais de onde se originam as denúncias de tortura, maus-tratos, tratamento desumano e degradante, mas esses comportamentos aviltantes da dignidade humana são praticados em todos os lugares, por agentes públicos e particulares. Muitas denúncias nos chegam contra policiais militares por ocasião da prisão em flagrante em que torturam para obterem confissão da pessoa com uma técnica chamada afogamento a seco que não deixa vestígios visíveis”, descreve Natividade sobre as denúncias.

Presidente do CEPCT-AM, advogada Natividade Maia (Arquivo pessoal)

Na prática, a função do comitê se limita a receber denúncias de tortura e as encaminha aos órgãos competentes para investigação. Também é competência acompanhar, avaliar, subsidiar a execução do Plano Estadual de Prevenção e Combate à Tortura no Amazonas.

“Podemos propor projetos de cooperação técnica entre o Estado do Amazonas e organismos nacionais e internacionais relativos à prevenção, combate e erradicação da tortura no Estado, entre outras coisas”, adicionou.

Discordância

Por discordância entre o Governo do Amazonas e o CEPCT-AM, o projeto de lei que cria o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Estado (MEPCT-AM) está parado desde 11 de dezembro de 2020. O Plano Estadual de Prevenção e Combate à Tortura no Amazonas prevê a criação do mecanismo.

O governo e o comitê estadual discordam da nomenclatura do cargo dado pelo CEPCT, autonomia orçamentária e funcional pleiteada pelo comitê, e mais recentemente da quantidade de cargos que comporão a estrutura do mecanismo estadual.

Processo seletivo para organizações integrarem o CEPCT-AM (Lincoln Ferreira/Sejusc)

O MEPCT-AM terá acesso livre aos estabelecimentos prisionais do Estado para realizar inspeções sem prévio agendamento. Hoje, o comitê estadual não tem essa prerrogativa, só pode entrar em prisões se houver permissão ou convite da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) e com agendamento prévio.

Descredibilizar

Na avaliação da presidente do CEPCT-AM, há uma tentativa de descredibilizar a instituição por causa da viagem de Luciane Barbosa. Para ela, a abordagem visa transferir a conduta de um presidiário para seus familiares. No episódio, ela ainda visualiza a violação da presunção de inocência de Luciane “sob aplausos” de pessoas com conhecimento jurídico.

“Quando a instituição desta senhora se habilitou a uma vaga, todos os documentos exigidos foram entregues e o dos membros indicados também e, ao que nos consta, o acórdão que modificou a sentença que a absolveu foi publicado mais de 01 (um) mês depois de concluída a homologação das instituições escolhidas”, continua.

“Então, as pessoas falam, e o princípio da moralidade administrativa? Então, eu volto a perguntar? É imoral um familiar de preso participar dos espaços políticos que dialogam sobre interesse legítimo da situação carcerária? A moralidade pública seria bem-vinda se o Estado não permitisse a tortura, o tratamento desumano, degradante e cruel dentro dos cárceres. Ninguém se importa com essa falha na moralidade pública”, rebateu Natividade Maia.

A indicação de Luciane Barbosa Farias, como membro do Comitê Estadual, foi feita pelo Instituto Liberdade do Amazonas, segundo o Governo do Estado. O Governo do Amazonas afirmou que Luciane Barbosa não tinha “legitimidade” para participar dos eventos em Brasília.

Leia o regimento interno e o projeto de lei que criou o CEPCT-AM:
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Revisado por Adriana Gonzaga