‘Nem as policiais estão seguras’, diz especialista sobre morte de escrivã perseguida por colegas

A escrivã da Polícia Civil de Minas Gerais (PC-MG) Rafaela Drumond, encontrada morta no último dia 9 (Reprodução/Internet)

15 de junho de 2023

19:06

Adrisa De Góes – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Mensagens de textos, áudios e vídeos, agora, revelados mostram o que estava vivendo, no ambiente corporativo, a escrivã da Polícia Civil de Minas Gerais (PC-MG) Rafaela Drumond, 31, encontrada morta pelo pai no último dia 9. Aos amigos, ela relatou episódios de assédio moral e sexual, além de pressão na delegacia em que trabalhava, em Carandaí (a 136 quilômetros de Belo Horizonte).

Nesta quinta-feira, 15, a PC-MG informou, em coletiva de imprensa, que vai periciar o vídeo no qual a escrivã é xingada por um colega dentro de uma unidade da polícia. Um homem, que não aparece na imagem, a ofende e ironiza a ameaça de denúncia feita por ela: “Grava e leva no Ministério Público, na Corregedoria”, diz.

Assista:

Vídeo mostra um colega xingando a escrivã da PC-MG dentro da delegacia (Reprodução/Youtube)

Para a advogada e presidenta do Instituto As Manas, Amanda Pinheiro, o assédio e a violência de gênero em ambientes ocupados majoritariamente por homens, como instituições policiais, é ainda mais cruel. Na avaliação dela, nesses lugares, a ideologia machista, misógina e sexista é predominante e, muitas vezes, silencia qualquer tipo de denúncia.

“O fato de uma mulher ocupar um cargo visto como empoderamento pela sociedade, não retira dela sua humanidade, pois mesmo treinada para situações de forte pressão, o assédio moral fere sua dignidade e integridade psíquica. Quando mulheres ocupam esses espaços são perseguidas, assediadas e, quando não, são anuladas no exercício de suas atividades. Nem as policiais estão seguras”, disse à REVISTA CENARIUM.

‘Minha filha não estava normal’

O pai da vítima, Aldair Divino, afirmou que a família percebeu mudança recente no comportamento dela, mas não tinha ideia dos reais motivos. Para ele, se tratava do excesso de horas de estudos para um concurso público no cargo de delegada.

“Ela escondeu isso do pai dela e da mãe dela, com medo de opressão, que viesse pra cima da gente (…) ela guardou aquilo, ficou com medo de passar”, disse Divino, em vídeo que está sendo compartilhado nas redes sociais por familiares da vítima.

O pai de Rafaela Drumond, Aldair Divino (Reprodução/Redes Sociais)

Para a presidente do Instituto As Manas, é preciso que as pessoas estejam atentas às mudanças de comportamento de colegas ou membros da família que podem estar sofrendo esse tipo de perseguição. Ela ressalta que o incentivo à denúncia é fundamental quando a ajuda se faz necessária.

“O assédio moral no trabalho é considerado crime desde a aprovação da Lei N° 4.742/2001 e caracteriza-se, por exemplo, pela exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, de forma repetitiva e prolongada no tempo, no exercício de suas funções”, destacou.

Denúncia formalizada

Apesar do caso ter sido registrado como suicídio, as circunstâncias da morte de Rafaela Drumond são investigadas pela PC-MG, devido à denúncia formalizada por ela junto à Corregedoria-Geral de Polícia de Minas Gerais, semanas antes de tirar a própria vida.

De acordo com o Sindicato dos Escrivães da Polícia Civil do Estado (Sindep-MG), a jovem procurou a entidade e denunciou o assédio moral e sexual sofrido no ambiente de trabalho, além de sobrecarga e pressão psicológica. O órgão informou que cobra das autoridades cabíveis um esclarecimento sobre as denúncias.

Durante a coletiva de imprensa desta quinta, a PC-MG não informou se algum funcionário da delegacia onde Rafaela trabalhava foi ouvido ou afastado.

Áudios relatam perseguição

Além das denúncias, Rafaela detalhou, em áudios enviados a amigos e pessoas mais próximas, os episódios de perseguição. O conteúdo circula nas redes sociais e também deve ser usado no inquérito que investiga a morte da escrivã.

“Mesmo a gente estando certa, a gente está errada, a gente sofre retaliação. A gente tem medo de falar, e quando fala, é pior ainda pra gente, porque a gente é perseguido”, desabafou. Chorando, Rafaela continua: “Esses covardes da polícia, principalmente, do ‘alto escalão’ (…) É por isso que está todo mundo adoecendo, todo mundo pegando licença”, prosseguiu.

Ouça:

Desabafo de Rafaela Drumond sobre a situação no ambiente de trabalho (Reprodução/Youtube)
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