‘O cinema amazônico vive momento novo, forte e pulsante’, avalia Sérgio Carvalho, diretor de ‘Noites Alienígenas’

Filme acreano retrata a realidade das periferias, com a chegada do tráfico de drogas (Reprodução)

22 de agosto de 2022

21:08

Ívina Garcia – Da Agência Amazônia

MANAUS – O filme acreano “Noites Alienígenas”, do diretor Sérgio Carvalho, foi o grande vencedor do 50° Festival de Cinema de Gramado, que ocorreu no último sábado, 20. Levando cinco Kikitos para casa, a produção conquistou prêmios nas categorias de melhor filme, melhor ator, melhor atriz coadjuvante, melhor ator coadjuvante e o prêmio do júri da crítica.

Baseado no livro escrito por Sérgio e lançado em 2011 com o mesmo título, a adaptação cinematográfica revela as dinâmicas urbanas de Rio Branco, capital do Acre, e “escancara” a desigualdade e os conflitos do tráfico migrado da região Sudeste e Sul do País para a Amazônia, sobretudo, dos impactos sociais que as comunidades enfrentam.

Filme acreano retrata a realidade das periferias com a chegada do tráfico de drogas (Reprodução)

O diretor Sérgio Carvalho, em conversa com a REVISTA CENARIUM, destacou que a vontade de escrever o livro, finalizado em duas semanas, surgiu de uma necessidade de falar sobre dependência química e violência na Amazônia.

Eu vivi muito próximo de uma pessoa que era dependente químico e entendi todo esse ciclo que gera sofrimento não somente para a pessoa, mas para todos que estão perto. Então, o livro vem dessa necessidade, dessa urgência de falar sobre essa questão da dependência química, e foi escrito de uma maneira bem catártica, em duas semanas“, revelou o diretor.

A adaptação para o cinema, feita 11 anos depois, não foi um desafio. Segundo Sérgio, o livro já tinha todo o embasamento necessário para ser adaptado, no entanto, a realidade periférica precisou ser atualizada. “Quando pensei em adaptar, senti que ali já tinha um argumento para um filme, porque escrevi de uma maneira muito visual. Só que quando eu passei do livro para o filme, eu senti uma necessidade grande de adaptação, porque aquela realidade periférica retratada no texto já era outra, a periferia na Amazônia, em 10 anos, com essas mudanças das rotas do tráfico, mudou completamente“, afirma.

Elenco do ‘Noites Alienígenas’ no tapete vermelho do 50° Festival de Gramado (Reprodução)

O que a gente vive, hoje, na Amazônia urbana, reflete na Amazônia da floresta, ‘tá aí’ os assassinatos de Dom Phillips e de Bruno Pereira que reforçam isso. É uma brutalidade essa questão do crime organizado que acaba envolvendo todos os setores da sociedade, inclusive instituições. É muito sério o que está acontecendo, tem morrido muito jovem, muita gente, por conta disso, é uma tragédia social“, pontua Carvalho sobre o narcotráfico e os assassinatos ocorridos na Amazônia que ganharam o mundo recentemente.

Sobre as dificuldades de produzir o filme, Sérgio pontuou que a maior delas foi a questão do orçamento e adaptação de produção. “‘Noites Alienígenas’ já era um filme de baixo orçamento, e fazer um filme de baixo orçamento, na Amazônia, o que é baixo, se torna mais baixo ainda“, disse o diretor.

“Noites Alienígenas” venceu cinco Kikitos, entre eles melhor filme e escolhido da crítica (Reprodução)

O diretor ainda revelou que a equipe precisou fazer ajustes para conseguir realizar a produção. “Precisamos muito adaptar modelos de produção, precisamos repensar coisas, cortar cenas do roteiro, para que a gente conseguisse realizar o filme“. No entanto, o diretor revelou que algumas dificuldades tornaram-se surpresas. “As possíveis fragilidades de produção se tornaram potências“, afirmou o diretor.

Com nomes já conhecidos como Chico Diaz e Joana Gatis, o longa-metragem também contou com a participação da ex-BBB acreana, Gleici Damasceno, do ator Adanilo Reis e do rapper acreano e estreante no cinema, Gabriel Knoxx.

Algumas questões que a gente pensou que poderia se tornar desafiante, como atores sem experiência, na verdade, foi a grande potência do filme“, revelou o diretor, que teceu elogios para a equipe de atores responsável pelos prêmios de melhor ator para Gabriel, e melhores atores coadjuvantes para Chico Diaz e Joana Gatis.

Essa premiação não é só para o ‘Noites Alienígenas’. De certa maneira, representa todo esse cinema contemporâneo, pulsante, de qualidade, que vem sendo produzido no Norte, principalmente, por conta das políticas dos governos passados de descentralização dos recursos para o audiovisual”, diz o diretor, que consagra investimentos feitos em outros governos à ajuda no desenvolvimento audiovisual da região.

Carvalho também avalia que a premiação para o filme acreano é um ato político “na essência da palavra“. E diz que “um filme do acre, sendo premiado num grande festival, numa grande festa do cinema brasileiro, com toda a certeza foi um ato político e muito importante para os dias tão tenebrosos que a gente tem vivido no País“.

Rapper e ator acreano, Gabriel Knoxx, venceu Kikito de melhor ator (Reprodução)

O rapper e ator Gabriel Knoxx, primeiro vencedor acreano do Kikito de melhor ator, revelou à CENARIUM ainda estar sem palavras. “É uma grande honra estar sendo a primeira pessoa a trazer esse prêmio para casa (Acre), e quem sabe ano que vem, e no outro e no outro, a gente possa cada vez mais trazer kikitos para casa“, disse.

Sobre a premiação de melhor filme, Knoxx acredita que o juri enxergou a alma da equipe exprimida no filme. “A gente fez um filme com corpo, alma e coração, para tentar entregar o melhor para o público, e a gente conseguiu bater essa meta. Quantas vezes a gente não dormiu? Quantas vezes a gente não ficou virado no set? A gente trabalhou insanamente para poder entregar esse material e conseguir receber esses prêmios, que não eram tão esperados por nós“, relevou.

Para nós, nunca foi fácil, sempre foi difícil“, pontua Gabriel sobre ser artista amazônida. “A gente sempre lutou para mostrar nossa arte com pouco ou nenhum recurso, e a gente lutou para fazer acontecer. Não existe período difícil ou pouco difícil. Todo dia é difícil, não existe zona de conforto, a gente só tem essa grande luta. Lutamos por amor e paixão à arte“.

Gabriel avalia a vitória de “Noites Alienígenas” como um ato de resistência do povo do Norte. “Essa vitória foi graças a nossa resistência e a nossa força de vontade de fazer acontecer. Eu acredito que nos próximos anos virão bem mais, para diversos artistas e produtoras que englobam a arte e a cultura do Norte“, disse.