8 de janeiro: OAB pede à presidência do STF que reconsidere decisão sobre julgamento virtual

Atos antidemocráticos, no dia 8 de janeiro de 2023 (Reprodução/Internet)

21 de setembro de 2023

14:09

Ademir Ramos – Especial para Agência Amazônia**

MANAUS (AM) – “Realmente é muito triste (…) confundiu ‘O Príncipe’, de Maquiavel, com ‘O Pequeno Príncipe’, de Antoine de Saint-Exupéry, que são obras que não têm absolutamente nada a ver”.

O lamento e a reprovação partiu do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, relator do processo em curso contra os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, após ouvir da tribuna do STF a sustentação oral do advogado paulista Hery Waldir Kattwinkel Junior, em defesa de um dos acusados da turba bolsonarista.

Com a mesma sandice, o Ministério Público de São Paulo, no contexto da Operação Lava Jato, em março de 2016, representados pelos promotores Cassio Conserino, José Carlos Blat e Fernando Henrique Araújo, ao pedir a prisão preventiva do ex-presidente Lula, manifestou total ignorância no campo da sociologia jurídica.

Entre os argumentos sustentados nos autos, os doutos da Corte de Justiça de São Paulo assinaram um “atestado de burrice” em declarar que “Marx e Hegel” se envergonhariam da conduta de Lula como braço da esquerda na América Latina. Provavelmente estariam “tirando sarro do Lula” referindo-se à dupla Karl Marx e Friedrich Engels, autores de O Manifesto Comunista, de 1848.

No outro contexto, além da ignorância conceitual e histórica, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em conjunto com a seccional da OAB do Amazonas, solicitou recentemente ao Corregedor Nacional do Ministério Público (CNMP) a abertura de reclamação disciplinar contra o promotor Walber Nascimento, acusado de ter proferido declarações injuriosas ao comparar a advogada Catharina Estrela a uma “cadela” durante julgamento no Tribunal de Justiça do Amazonas.

As agressões ocorreram em diversas frentes e ordens denunciando o “besteirol” que afeta alguns operadores do Direito. Os dois primeiros casos denunciam a ignorância conceitual relativa ao universo das ciências sociais em estreito diálogo com o campo jurídico, comprometendo diretamente a qualidade da formação e o desenvolvimento cognitivo desses profissionais e por consequência a prática da Justiça.

O terceiro resulta da prepotência e estupidez de um machismo criminoso que no passado recente respaldava-se “na defesa da honra” para matar. Discriminação e preconceito ou propagação de ódio contra as mulheres pode ser encarado como crime (CPB: Art. 216-A) se comprovado for que as agressões e o constrangimento tinham por intuito obter vantagem (…).

Para suprir esse fosso da ignorância, o Ministério da Educação (MEC), por meio da Câmara de Educação Superior, do Conselho Nacional de Educação, resolveu editar a Resolução n° 2, de 19 de abril de 2021, instituindo Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Direito.

Dessa feita, o curso de graduação em Direito, priorizando a interdisciplinaridade e a articulação de saberes, deveria incluir no PPC (atualmente chama-se PPP – Projeto Político Pedagógico) conteúdos e atividades que atendessem às seguintes perspectivas, entre outras: “Formação geral, que tem por objetivo oferecer ao graduando os elementos fundamentais do Direito, em diálogo com as demais expressões do conhecimento filosófico e humanístico, das ciências sociais e das novas tecnologias da informação, abrangendo estudos que, em atenção ao PPC, envolvam saberes de outras áreas formativas, tais como: Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia”.

Pelo jeito e pela Ordem as determinações do MEC não vem sendo obedecida a contento ou quem sabe a OAB tem feito pouco caso quanto à qualidade da formação dos operadores da Justiça, deixando para o mercado selecionar como rege a norma da academia neoliberal.

O fato é que há uma grande demanda de Curso de Ensino a Distância, é o caso também da formação de professores. No Direito pelo menos conta-se com o Exame de Ordem enquanto na área da educação o graduado vai para sala de aula com pouca ou nenhuma prática reflexiva.

A gente tem quase 2 mil cursos de Direito, com mais de 800 mil vagas ativas, explicou a presidente da Comissão Nacional de Educação Jurídica (CNEJ) da OAB Nacional, a professora doutora, Gina Carla Sarkis Romeiro. Quanto à qualidade, a professora disse e o Google registrou que, “não é a melhor possível, deixa muito a desejar com a mercantilização do ensino. E, com o Direito, fica muito claro quando a qualidade é ruim porque tem o Exame de Ordem. É um privilégio nosso ter o Exame, que evidencia quando um curso não entrega o prometido”, pontuou Gina Carla.

O ex-presidente da CNEJ, Marco Aurélio Choy, em agosto de 2022, falou também sobre a alta proporção de advogados por habitantes no Brasil e a baixa qualidade dos cursos de Direito no país, contabilizando 01 (um) advogado para cada 164 brasileiros, proporção superior às verificadas nos Estados Unidos da América, em Portugal, no Reino Unido e na Índia, entre outros. Nesse rescaldo, estima-se também mais de 4 milhões de bacharéis em direito.

A OAB, por sua vez, para incentivar as faculdades a oferecer graduação em Direito com nível qualitativo cada vez mais elevado, criou, em 7 de dezembro de 1999, o Selo OAB Recomenda. Mas, “no último ciclo avaliativo, dos quase 2 mil cursos existentes, apenas 193 conseguiram o indicativo de qualidade”, afirmou Choy.

Quanto ao julgamento, não sabemos se foi por arrogância ou não, o ministro-relator, Alexandre de Moraes, afrontado por alguns advogados no exercício do contraditório, resolveu solicitar da presidente do STF, ministra Rosa Weber, a transferência para o Plenário Virtual de ação penal instaurada contra os envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, sendo imediatamente acolhida.

De pronto, o Conselho Federal da OAB contestou por meio de ofício (19/9) a decisão pelo julgamento virtual compulsório, sem a concordância das partes, por violar o devido processo legal, o contraditório, o direito de defesa e para os devidos fins consignou-se que, “o julgamento presencial reveste-se de um valor inestimável em prestígio à garantia da ampla defesa, assegurando aos advogados a oportunidade de realizar sustentação oral em tempo real e, igualmente importante, possibilitando o esclarecimento de questões de fato oportunas e relevantes, bem como o uso da palavra”, é o que sustenta a Ordem.
Dessa forma, a OAB pede que a presidente do STF, ministra Rosa Weber, reconsidere o envio do julgamento relativo aos atos de 8 de janeiro para o plenário virtual, contrariando a solicitação do ministro-relator Alexandre de Moraes; aguardemos a decisão.

Somos pelo julgamento presencial, pelas razões exposta pelo Conselho da Ordem, porque é preciso respeitar os que perdem a liberdade por decisão de um tribunal. Mais ainda, é preciso respeitar seus advogados, mesmo quando fracassam.

O rito e a transparência do julgamento deve prevalecer porque conforme os ensinamentos do professor e jornalista Eugênio Bucci: “O que importa aqui não é o tropeção em mau juridiquês, não é a reprimenda do ministro, não é a condenação do réu. Só o que importa é o respeito – ou a falta que ele nos faz. A arrogância ensurdecedora com que foi tratado o sujeito que embaralhou o príncipe da política com aquele outro, o pequenino, xodó das misses, deveria nos levar a refletir sobre crueldade e sectarismo”.

Somos pelo julgamento presencial e que a Justiça seja feita!

(*) Professor, antropólogo e coordenador do Projeto Jaraqui e do NCPAM vinculado ao Dpto. de Ciências Sociais da Ufam. E-mail: [email protected]

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