Uma em cada sete mulheres já fez aborto no Brasil; tema é saúde pública, dizem especialistas

Mulheres defendem legalização do aborto e protestam contra CPI na escadaria da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Fernando Frazão/Agência Brasil)

25 de setembro de 2023

20:09

Mayara Subtil – Da Agência Cenarium Amazônia

BRASÍLIA (DF) – Uma em cada sete mulheres, perto dos 40 anos, já abortou ao menos uma vez no Brasil, segundo dados da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2021, a mais recente a respeito do assunto. Especialistas ouvidos pela AGÊNCIA CENARIUM AMAZÔNIA nesta terça-feira, 26, apontam que o tema que está em debate no Supremo Tribunal Federal (STF) é uma questão de saúde pública.

O STF começou a julgar uma ação que mira em descriminalizar o aborto feito por mulheres com até 12 semanas de gestação. Apesar da discussão sobre a descriminalização do aborto no Brasil ter contornos religiosos, que dificultam o debate da matéria de maneira técnica, dados da PNA e do Sistema Único de Saúde (SUS) mostram que o assunto é mais uma questão de saúde pública do que meramente moral.

A psicóloga clínica Alessandra Araújo reforça que o aborto se trata de uma questão de saúde pública, além de uma discussão sobre direitos e garantias fundamentais no País. “É uma questão de saúde pública não só aqui no Brasil, mas é vivenciado em muitos países ao redor do mundo. A gente bate de frente com a questão cultural. Aqui, no Brasil, temos a cultura de que o corpo da mulher é um corpo que pode ser acessado livremente pela figura masculina“, afirma a profissional, que chama atenção para a presença da cultura do estupro na sociedade.

Hoje em dia, ainda temos presente a cultura do estupro, do abuso sexual, onde pais, padrastos, avós, tios, primos têm dentro de uma questão cultural a permissão de filhas, primas e irmãs, netas, sobrinhas”, complementou Alessandra Araújo.

Conforme o Código Penal, o aborto é permitido no País somente em três circunstâncias: gravidez oriunda de estupro, se representar risco de morte materna e por anencefalia fetal – a não formação do cérebro do feto. “Além do sigilo entre médico e paciente quando se faz o aborto clandestino, os métodos usados, como objetos e medicamentos, só chegam ao conhecimento policial por meio de denúncia. Não há uma notificação. Faz parte da cifra oculta [a falta de dados]”, explicou a advogada criminalista Marília Brambilla.

A advogada ainda esclareceu que, mesmo quando há permissão da Justiça, o tema segue estigmatizado no País. “Isso vem do machismo estrutural. Além da questão religiosa, pois é o que mais causa esse banimento da sociedade. Isso tira o direito da mulher de escolher estar grávida. Quem tem que escolher somos nós, mulheres”, concluiu.

Em maio deste ano, os órgãos da Organização das Nações Unidas (ONU), que lidam com a tortura, pediram que o País reavaliasse as políticas de saúde sexual e reprodutiva, bem como o Código Penal vigente. A entidade sugeriu que o aborto fosse de fato descriminalizado no Brasil e alertou para as altas taxas de mortalidade materna, sobretudo, na população mais vulnerável.

Dados

O levantamento nacional de aborto foi feito em 125 municípios e ouviu 2 mil mulheres, a maioria negras, pardas e indígenas. O estudo também revela que mais da metade das mulheres ouvidas tinham 19 anos ou até menos quando realizaram o primeiro aborto. Naquele ano, 21% das entrevistadas que abortaram fizeram um segundo procedimento, o chamado aborto de repetição.

Só em 2020, o Sistema Único de Saúde (SUS) realizou mais de 80 mil procedimentos após abortos malsucedidos, entre espontâneos e provocados. Além disso, a cada 28 internações em decorrência de aborto, uma mulher morre, conforme dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS).

O que está em jogo no STF

A votação de uma ação sobre aborto no STF foi suspensa na semana passada a pedido do ministro Luís Roberto Barroso. Por hora, apenas a ministra Rosa Weber, relatora da ação, votou. A magistrada defendeu que o aborto seja descriminalizado nesse período de 12 semanas, mas há uma tendência pública de maioria entre os ministros para manter a regra atual ou alterá-la. Uma nova data para a retomada do julgamento deverá ser definida por Barroso, futuro presidente do STF.

Se a linha caminhar pela mesma de Rosa Weber, o STF deve definir que as grávidas e os médicos envolvidos nos procedimentos não poderão ser processados e punidos. Mas isso não quer dizer que o procedimento passaria a ser oferecido no Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo. Medidas desse tipo dependeriam de resoluções do Poder Executivo e de uma aprovação do tema no Congresso Nacional.

Presidente do STF, ministra Rosa Weber (Carlos Moura/STF)

Descriminalizar não quer dizer incentivar a prática ou fazer qualquer tipo de intervenção para que isso seja uma motivação para a prática do aborto”, complementou a advogada Marília Brambilla.

Atualmente, a lei define que o aborto voluntário [não espontâneo] é crime, qualquer que seja o tempo de gestação. A ação em análise no STF foi apresentada pelo PSOL e pelo Instituto de Bioética (Anis), em 2017. O partido questiona os dois artigos do Código Penal que tratam do aborto com consentimento da gestante. A legenda solicita ainda que os magistrados reconheçam o direito constitucional das mulheres de interromper a gestação e dos profissionais de saúde de realizar o procedimento.

Leia mais: Presidente do STF vota pela descriminalização do aborto até 12 semanas
Editado por Eduardo Figueiredo
Revisão por Gustavo Gilona