Amazonas X Pará: embate no BBB reacende origem da ‘rixa’ histórica 

As representantes do Amazonas e Pará, Isabelle Nogueira e Alane Dias, respectivamente (Composição de Paulo Dutra/Revista Cenarium)

12 de abril de 2024

20:04

Ricardo Chaves – Da Agência Cenarium

MANAUS (AM) – Seja na cultura, no esporte ou na política, a rivalidade entre amazonenses e paraenses é histórica e ganhou terreno fértil na internet com a presença de representantes de ambos os Estados na disputa por uma vaga na final do Big Brother Brasil 24 (BBB24), que acontece na próxima terça-feira, 16. A rixa é histórica e tem raízes no período colonial.

Historiadores explicaram à AGÊNCIA CENARIUM  que a origem está ligada ao processo de elevação do Amazonas à categoria de província até a migração de paraenses para o Estado em busca de emprego com a criação da Zona Franca de Manaus (ZFM).

O historiador Fábio Augusto, mestrando em História pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), diz que o surgimento da rixa tem origem no período colonial, mais especificamente no século 18, quando o Amazonas era a Capitania de São José do Rio Negro, subordinada à Capitania do Grão-Pará, da qual era dependente política e economicamente. 

Divisão geográfica do Brasil em 1824 (Reprodução)

Fábio explica que os governadores do Grão-Pará criavam entraves para o desenvolvimento da Capitania do Rio Negro, temeresosos com uma possível perda de importância e influência regional. 

“A partir do século 19, a elite do Rio Negro e alguns políticos paraenses, do qual o nome de João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha é o mais célebre, passaram a lutar pela emancipação”, explica o professor que também é criador do blog História Inteligente.

História “mal contada”

Já o professor de História Cleomar Lima afirma que o processo de Independência do Brasil, no dia 7 de setembro de 1922, também contribuiu para a rivalidade começar “de uma história mal contada de que o Pará queria ficar com Portugal” nesse processo. 

Em 1821, ocorreu a Revolução Constitucionalista do Porto apoiada pelo Pará, mas o levante acabou reprimido, como explica o historiador. 

O professor e historiador Cleomar Lima (Reprodução/Arquivo Pessoal)

“O imperador não gostou nada disso e mandou um exército para Belém, comandado por um general inglês que bombardeou a cidade. Paraenses foram presos e o Amazonas, que era a Capitania do Rio Negro, ficou do lado do Brasil. O Pará queria ficar com Portugal pelo projeto português da Revolução do Porto. O projeto do D. Pedro I era um projeto absolutista. Já o Amazonas viu que, se apoiasse Dom Pedro, ele iria criar a província. A rivalidade já começa por aí”, diz o professor, que destaca que a rivalidade não passa também de puro bairrismo.

Curiosidades da “rixa” histórica

O professor Fábio Augusto aponta que jornais, entre as décadas de 1960 e 1970, já revelavam a dimensão da relação entre os dois Estados, e destaca o papel da imprensa nessa disputa. 

“Encontramos em jornais, principalmente entre as décadas de 1960 e 1970, charges que, hoje, renderiam processos gigantescos contra seus autores. Lembro de uma, publicada pelo extinto ‘A Notícia’, de Manaus, em 1969, intitulada “Presente de Paraense”. Nela vemos um avião lançando sobre a cidade uma sacola com alguns paraenses trajados como ladrões, representando o clássico estereótipo de que nossos vizinhos são fora da lei”, conta.

Charge do jornal  ‘A Notícia’ de 1969 (Reprodução/Fábio Augusto)

Apesar disso, entre os séculos 19 e 20, a relação da colônia paraense com a sociedade amazonense aparentava ser a mais cordial possível, explica o historiador. No mesmo período, em outros jornais da época, é possível encontrar registros dos dois Estados vizinhos se felicitando por meio de eventos e espetáculos. Prova da boa relação são as homenagens que existem até a atualidade. 

“Uma das principais avenidas de Manaus, a Constantino Nery, foi renomeada em 1910 como João Coelho em homenagem ao então governador do Pará, João Antônio Luís Coelho”, afirma Fábio. 

Contribuições do Pará

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 215 mil paraenses vivem no Amazonas. A comunidade paraenses se expressa seja na culinária, na dança e até na política. 

O historiador Fábio Augusto explica que, após a emancipação, o Pará ligou ao Amazonas políticos, burocratas e intelectuais especializados. São nomes de peso como o de João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha (1798-1862), primeiro presidente da Província do Amazonas, e Frederico José de Sant’Anna Nery, o Barão de Sant’Anna Nery (1848-1901), grande propagandista da Amazônia no exterior. A contribuição, explica Fábio, é na economia, na arte e na cultura. 

“Na economia, foi e continua sendo um dos principais parceiros comerciais do Amazonas, exportando e importando diferentes gêneros. Na cultura, destaco a relação entre músicos paraenses e amazonenses no desenvolvimento do ritmo beiradão. Na década de 1980, o músico e compositor paraense Pinduca, conhecido como o Rei do Carimbó, ajudou o saxofonista Rudeimar Soares Teixeira, o Teixeira de Manaus, a gravar seu primeiro disco, que o lançou em todo o País”, explica o pesquisador. 

Pinduca e Teixeira de Manaus (Reprodução/Redes Sociais)

Já a “contrapartida” amazonense foi feita a partir do estabelecimento da Zona Franca de Manaus, criada após uma lei de 1957, sancionada pelo então presidente Juscelino Kubitschek, mas efetivada somente dez anos depois com o Decreto-Lei 288. 

O objetivo da ZFM era criar, no interior da Amazônia, um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento. O historiador Cleomar Lima explica que a ZFM absorveu uma grande mão de obra paraense.

“Compreendamos a ZFM quando explode nos anos 80, no final dos 70 e 80. A mão de obra do Distrito Industrial basicamente foi do interior do Pará. Muita gente de Santarém, Juruti, Oriximiná, Alenquer e Óbidos. Eles chegaram aqui, casaram e tiveram filhos. Ocorreu uma grande contribuição”, destaca o pesquisador. 

Leia mais: Austríaco cria País na Foz do Amazonas para armazenar ouro de TI Yanomami
Editado por Adrisa De Góes